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30/03/2020 - Fintechs vivem primeiro ‘teste de estresse’

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Por Valor Econômico | Flávia Furlan e Talita Moreira

 

A pandemia do coronavírus impõe às fintechs seu primeiro “teste de estresse” depois de anos de forte crescimento. As dificuldades financeiras dos clientes com a desaceleração da economia devem provocar elevação da inadimplência, o que já leva empresas do setor a oferecer carência em pagamentos ou descontos em taxas cobradas para tentar mitigar os efeitos da crise.

“Vivemos uma situação sem precedentes e, apesar de termos fintechs bem capitalizadas e estruturadas, o risco econômico está aumentando muito”, diz Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD).

O sinal amarelo acendeu num segmento em franca expansão. Os dados mais recentes do Fintechlab indicam que, em junho do ano passado, havia 604 fintechs no Brasil, entre plataformas de empréstimo e instituições de pagamento. O número cresceu 33% ao longo de um ano.

O impacto mais imediato da crise do coronavírus para as fintechs não é ruim. As companhias do segmento viram a demanda de clientes por crédito aumentar nos últimos dias em resposta a um cenário mais restritivo nos bancos tradicionais. Embora Banco do Brasil e Caixa tenham anunciado a oferta de R$ 175 bilhões em linhas emergenciais para pessoas físicas e jurídicas, as instituições financeiras privadas estão mais retraídas e, diante da crise, os spreads devem subir.

A Weel, fintech que atua com a concessão de crédito para empresas, percebeu nas últimas semanas um aumento de 84% em novos pedidos de companhias do setor de saúde e hospitalar, altamente demandado neste momento e que, portanto, precisa de reforço no capital de giro. A fintech, que atende 15 mil negócios cadastrados e já operou mais de R$ 700 milhões, acabou de captar R$ 800 milhões em recursos junto ao BV (antigo Banco Votorantim). “É possível que, com o aumento da demanda, esses recursos acabem antes do previsto”, afirma Nathan Yoles, vice-presidente da empresa.

No entanto, a situação financeira dos clientes é fonte de preocupação para as fintechs. “Existe um receio geral de inadimplência, principalmente dos setores mais afetados da economia, como o de turismo”, afirma o advogado Pedro Eroles, sócio da área de direito bancário, meios de pagamento e fintechs do escritório FAS.

Quem tem mais folga de capital tem procurado oferecer algum tipo de “alívio” aos clientes. A Tomático, empresa de crédito para varejistas da gestora de recursos Captalys, adotou uma carência de 30 dias nos empréstimos de seus 700 clientes. A fintech, que tem carteira de R$ 100 milhões, antecipa os recebíveis de vendas com cartão mediante uma taxa, mas está abrindo mão da cobrança dessa taxa de desconto para todos os clientes até o dia 15 de abril.

 

A Nexoos, plataforma de empréstimos diretos entre investidores e companhias, dará carência de 90 dias para o pagamento de empréstimos. A fintech viu a demanda crescer 22% desde o início da pandemia no país. “Acreditamos que possamos vir a sentir algum reflexo da crise, já que trabalhamos com pequenas e médias empresas e algumas delas podem sofrer neste momento”, afirma Daniel Gomes, sócio fundador da plataforma.

Enquanto isso, a Gyra+, que oferece crédito sem garantia a pequenas e médias empresas, dará até maio isenção de juros e multa nos pagamentos das parcelas em atraso e avalia a criação de linhas emergenciais. No entanto, a fintech reforçou a gestão de risco e está priorizando operações com clientes que já conhece, embora não tenha restrição para novos tomadores, afirma o sócio-fundador Rodrigo Cabernite.

Com o aumento do risco, novos empréstimos devem se tornar mais caros agora. No caso da Gyra+, as taxas médias costumam ficar entre 3% e 4% ao mês, mas a crise pode fazer com que esse percentual suba, segundo Cabernite. No total, a fintech já fez R$ 35 milhões em operações e a expectativa, por enquanto mantida, é alcançar R$ 80 milhões até dezembro.

Numa inciativa mais voltada a pessoas físicas, o Mercado Livre vai permitir que os clientes paguem a parcela de março do crédito contratado da empresa até o fim do contrato. Quem já quitou essa prestação terá o benefício estendido para a parcela de abril. Não haverá cobrança de juros ou multas sobre o pagamento realizado fora da data. No Brasil, a companhia concedeu R$ 2,1 bilhão em empréstimos nos últimos dois anos.

Nas fintechs mais voltadas a pessoas físicas, uma das medidas adotadas para preservar caixa durante a crise é a redução nas despesas de aquisição de clientes - e isso é relevante porque marketing é um dos grandes motores de crescimento dessas companhias.

A Creditas foi uma das que cortaram despesas de marketing como forma de preservar caixa. “Até porque o mercado todo caminhou nessa direção”, afirma Sergio Furio, fundador da fintech, voltada a empréstimos com garantia. Uma das maiores fintechs do mercado brasileiro, a empresa ainda não viu redução na demanda, mas está fazendo ajustes na oferta, olhando atentamente para os setores e regiões mais afetados pela crise.

O Nubank também reduziu despesas com marketing, e redirecionou os recursos para constituir um fundo de R$ 20 milhões. Com ele, apoiará clientes por meio da oferta de serviços de delivery e orientação médica a distância. Casos relativos a empréstimo pessoal e pagamento da fatura dos cartões estão sendo avaliados por meio dos canais de atendimento, informou a fintech.

As medidas foram anunciadas ontem. Nos últimos dias, o Nubank foi alvo de críticas nas redes sociais porque ainda não havia anunciado nenhuma ação voltada a clientes na crise do coronavírus.

Furio, da Creditas, defende que haja “esforço coordenado” para que bancos e fintechs continuem tendo capital e liquidez neste momento. “O papel do regulador é relevante”, diz. Ele observa que, nos EUA, o Federal Reserve adotou medidas para dar liquidez ao pequeno varejista e a instituições financeiras. “O Estado como um todo tem que buscar respostas para situações específicas. Não é uma questão de bancos ou fintechs.”

 

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