27/01/2014 - Cartão pré-pago de viagem perde competitividade
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No auge das férias de verão dos brasileiros, o governo baixou uma medida que vai deixar mais caras as compras no exterior. O Ministério da Fazenda anunciou na sexta-feira o aumento da alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado nas transações no exterior com cartões pré-pagos. A alíquota sobe de 0,38% para 6,38% - a mesma do cartão de crédito. Com isso, elimina o grande apelo de vendas que fez o pré-pago de viagem crescer substancialmente desde o fim de 2012 e movimentar R$ 3,04 bilhões neste ano, até novembro, segundo o Banco Central - ou 14% do total dos gastos de brasileiros fora do país.
A medida atinge também os demais pagamentos com cartão de débito no exterior, cheque de viagem e saques feitos lá fora.
O uso de cartões pré-pagos em viagens no exterior se sedimentou em 2013. Em novembro, respondeu por 12,5% dos gastos totais de brasileiros no exterior, de acordo com dados do BC. Em agosto, o pico da série histórica, foi 16,4% dos gastos. Para se ter uma ideia do tamanho do avanço, em agosto de 2012 o pré-pago representava apenas 2,8% dos gastos fora do país.
O crescimento do pré-pago foi, em grande parte, impulsionado pelo próprio governo. Em março de 2011, a Fazenda elevou, de 2,38% para 6,38%, o IOF das compras com cartão de crédito no exterior, tornando o pré-pago uma alternativa mais atraente, também na comparação com o dinheiro em espécie.
O cartão pré-pago de viagens se transformou em um pilar de negócios para bandeiras de cartões (como Visa, MasterCard e American Express), bancos e corretoras - nesta seara, vinham se destacando a Cotação (do Banco Rendimento), a Confidence (comprada pela Travelex), a Fitta e o Banco Daycoval. São modelos de negócio que acabarão, em alguma medida, sendo revistos após o anúncio do governo.
Entre os impactos iniciais, as corretoras de câmbio preveem um aumento de custos e riscos, na medida em que os clientes devem preferir levar moeda em espécie para o exterior, já que o IOF do dinheiro vivo continua sendo de 0,38%. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Corretoras de Câmbio (Abracam), Tulio Ferreira dos Santos, a logística para trabalhar com papel moeda é mais complexa, além de envolver mais riscos. As corretoras têm de importar papel moeda, transportar os valores e depois distribuir pelas casas de câmbio.
Com o uso do cartão pré-pago, a operação é mais simples e segura para os dois lados. "O risco de roubo para a loja que vende o cartão pré-pago é zero. Se ela for roubada, o ladrão leva plástico. Agora, se as lojas passam a precisar de mais dinheiro para entregar aos clientes, o risco em caso de roubo aumenta", afirma Mauricio Lima, gestor de câmbio turismo no Banco Daycoval. Segunda Lima, hoje o cartão pré-pago representa 35% das entregas de câmbio nas lojas do banco, sendo o resto em espécie. Para ele, as entregas em dinheiro vivo vão tomar parte do espaço conquistado pelos pré-pagos. "O pré-pago ainda tinha a vantagem de fidelizar os clientes", afirma.
Alexandre Gomes Fialho, diretor de planejamento do Banco Rendimento, pondera que os cartões pré-pagos ganharam espaço por alguns anos sem o benefício da diferença de IOF com o cartão de crédito. "Em 2003, quando os pré-pagos começaram no Brasil, o IOF do cartão de crédito também era baixo, e mesmo assim eles cresceram, substituindo, no primeiro momento, a moeda em espécie", afirma. Segundo ele, em 2011, quando o governo aumentou o imposto para o cartão de crédito, os pré-pagos já respondiam por 50% do câmbio feito pela Cotação.
De acordo com a nota da Fazenda, a nova alíquota do IOF passou a valer já no sábado, dia 28. No entanto, como a medida entrou em vigor praticamente de imediato, sem dar tempo para ajustes, acabou trazendo problemas operacionais para as corretoras.
Segundo Santos, da Abracam, a venda do cartão pré-pago com moeda estrangeira - e qualquer outra operação de câmbio - realizada após o expediente bancário de uma sexta-feira só é registrada na segunda. Então, há a dúvida de como será feito o registro das operações de câmbio realizadas na última sexta com o IOF menor. "Quem vai pagar esse IOF [novo] na segunda?", indaga.
Segundo Santos, desde sexta houve uma confusão grande no mercado em função dessa e de outras questões operacionais, como a atualização de sistemas das casas de câmbio em pontos de venda que funcionam durante o fim de semana, como shoppings e aeroportos.
Do ponto de vista macroeconômico, a medida faz sentido, afirma o diretor-executivo da NGO Corretora, Sidnei Nehme. Para ele, a elevação do imposto para outros tipos de meios de pagamentos no exterior, além do cartão de crédito, é correta, porém tardia. "Era uma válvula de escape de muitos dólares", diz. Segundo a Fazenda, a medida trará arrecadação estimada de R$ 552 milhões por ano.
Nehme lembra que neste ano, até novembro, a conta líquida de viagens internacionais estava negativa em US$ 17 bilhões. A projeção do BC é que essa conta feche o ano negativa em US$ 18,6 bilhões e suba a US$ 19 bilhões em 2014. "O gasto é excessivo e grande parte não é turismo [puro], mas sim compras de brasileiros no exterior que não pagam tributos."
O Ministério da Fazenda explicou, na nota, que a ideia da medida é dar "isonomia de tratamento às operações com moeda estrangeira". Para Santos, da Abracam, isso não faz muito sentido, pois a moeda estrangeira em espécie continua com tributação de 0,38%. "Não consegui entender o objetivo. Isso só prejudica o usuário, que acabará comprando o papel moeda. Só aumenta o risco do viajante, que passará a andar com mais moeda." (Colaborou Thiago Resende)
Fonte: Valor Econômico