26/08/2019 - "Queremos 60% dos pagamentos feitos em meios eletrônicos até 2024"
VoltarISTOÉ DINHEIRO
Todos os dias, a gigante de meios de pagamento Mastercard sofre 70 mil ataques. Para se defender, o executivo João Pedro Paro Neto, que comanda a operação da americana no Brasil, tem apostado em tecnologia de autenticação por comportamento. “O jeito que as pessoas navegam na internet, o modo como seguram o celular e o dedo que usam para dar um clique fazem parte de mais de 200 tipos de comportamentos que aprendemos com o perfil de um usuário”, diz ele. “A transação de uma compra se torna muito mais segura quando esses traços são identificados”. A expectativa de Neto é que esse sistema seja colocado totalmente em prática nos próximos três anos. Nesta entrevista à DINHEIRO, ele fala sobre os planos da companhia para evoluir em segurança digital e as expectativas de crescimento dos pagamentos sem contato no País.
DINHEIRO – O mercado de meios de pagamentos mudou muito nos últimos anos. O que a Mastercard tem feito para acompanhar esse movimento?
PARO NETO – A primeira coisa que a gente fez foi buscar a abertura de mercado e oferecer mais opções para os consumidores. Outro trabalho importante foi de expansão, pois não adianta nada ver os meios de pagamentos digitais sendo aceitos no Brasil, mas não ter pontos de aceitação para pagar uma conta. Essa estratégia tem funcionado muito bem. Nos últimos sete anos, o Brasil saltou de 1,5 milhão de estabelecimentos para 10 milhões. O terceiro ponto para acompanhar esse movimento foi o investimento em segurança. Afinal, ninguém quer ter problema na hora de fazer um pagamento. A última transformação foi fazer com que esses novos entrantes, as chamadas fintechs, fizessem parte da nossa oferta de soluções. O consumidor precisa de opções.
DINHEIRO – Mas onde a Mastercard quer chegar?
PARO NETO – O nosso maior objetivo é acabar com o dinheiro e fazer com que os meios eletrônicos se tornem cada vez mais relevantes. Nós queremos ter condição de oferecer a mesma experiência da compra física, só que no plano digital. Acreditamos que esse tipo de pagamento vai trazer mais eficiência para o Brasil. Eu quero fazer com que as pessoas economizem tempo.
DINHEIRO – Com qual tipo de inovação vocês trabalham para conquistar esse objetivo?
PARO NETO – Uma das pontas dos nossos investimentos está em digitalizar o processo de identificação de fraudes. Quando o cliente percebe que houve uma compra não reconhecida, ele gasta muito tempo com ligações e processos burocráticos. O que a gente quer é que o consumidor resolva esse tipo de problema de forma rápida, prática e segura. Além disso, os nossos centros de inovações têm investido muito em tecnologia de segurança blockchain para impulsionar as compras de cartão não presente, que é quando o cliente faz um pagamento on-line sem a presença física do cartão.
DINHEIRO – Por que investir especificamente nesses aspectos?
PARO NETO – Nós percebemos que a fraude com transações presentes é quase zero no Brasil e com uma das melhores taxas do mundo. No entanto, o índice dos pagamentos não presentes é horrível e está entre os piores. Foi a partir desses indicadores que entendemos que algo estava errado e começamos a trabalhar de forma mais intensa para melhorar a experiência do consumidor.
DINHEIRO – Sobre a forma de pagamento sem contato. O brasileiro está pronto para essa tecnologia?
PARO NETO – Com certeza. A adesão do brasileiro a novas tecnologias é muito rápida. Quando começamos na Mastercard pagamento por aproximação, as pessoas não sabiam e precisavam ser ensinadas sobre o mecanismo. Hoje, porém, percebo que não há mais essa necessidade. Já falamos de milhões de transações, mas no curto prazo serão bilhões. É lá que eu quero chegar.
DINHEIRO – Os pagamentos por aproximação representam 22% das transações no Chile. Quando o Brasil deve chegar alcançar um patamar maduro?
PARO NETO – A penetração dos pagamentos sem contato da Mastercard no Brasil é de 0,5%. Acredito que até o fim do ano que vem esse número saltará para cerca de 30%. O caminho que nós estamos trilhando por aqui é o mesmo dos outros países. Primeiro montamos a aceitação, que são as máquinas de cartão, depois capacitamos os emissores e a terceira fase é emitir os plásticos. Nossa meta é chegar no nível de Austrália, onde 90% dos pagamentos são feitos por aproximação. O comportamento do consumidor e a aceitação do brasileiro são similares. Esse é um cenário muito possível.
DINHEIRO – Há algum tipo de incentivo para o comerciante ou para o consumidor?
PARO NETO – Não, apenas os emissores é que trabalham com incentivos ou descontos no primeiro uso. A Mastercard cria o conceito, mas quem opera e faz o negócio são eles.
DINHEIRO – Então quais são as vantagens para o emissor e para o usuário?
PARO NETO – Toda vez que uma pessoa evita de usar a máquina tradicional, o emissor demora mais para ter que trocar o aparelho e isso gera economia financeira. Do ponto de vista dos consumidores, os benefícios são imensos. É muito mais fácil aproximar uma bolsa da máquina e ir embora de um estabelecimento do que ter que pegar o cartão, digitar uma senha e aguardar a nota fiscal. Ou seja, a conveniência é disparadamente melhor. Além disso, as pessoas economizam tempo na fila e a praticidade também gera muito mais transações, o que acarreta em benefício fiscal para a sociedade.
DINHEIRO – A segurança do “contacless” é maior?
PARO NETO – Não, a segurança é igual. Independente de uma pessoa fazer uma transação por contato ou colocando o cartão no máquina, não há diferença alguma.
DINHEIRO – Essa foi a primeira inovação nos meios de pagamentos que não provocou uma evolução em termos de segurança. Por quê?
PARO NETO – De fato. Essa é a primeira que tem a mesma característica das tecnologias anteriores. As outras mudanças foram transformações pesadas e essa foi apenas uma adaptação para que o cartão pudesse ser lido por uma antena e não fisicamente.
DINHEIRO – O que falta para o pagamento sem contato ganhar escala no Brasil?
PARO NETO – Nós já vencemos todas as barreiras tecnológicas e hoje deixamos tudo completo e funcionando. Estamos bem equacionados e falta só esperar o tempo de cada um, que é algo que precisamos respeitar. Não queremos impor nada, o nosso objetivo é mostrar um caminho melhor.
DINHEIRO – A economia desacelerada pode afetar esse plano?
PARO NETO – A indústria de meios de pagamentos trabalha pensando na substituição do dinheiro físico. Mesmo em um país que cresce cerca de 1% ao ano, nós estamos crescendo 15%. Ou seja, a economia é importante, mas não decide as estratégias do negócio.
DINHEIRO – Uma série de fintechs ganharam relevância no mercado brasileiro. Como você enxerga essa entrada?
PARO NETO – Eu conto com as fintechs em todos os aspectos. Nós temos uma liderança destacadíssima nesse segmento e é raro encontrar alguma que não seja Mastercard. Queremos nos aproximar das empresas para que elas façam parte do nosso sistema. Afinal, não podemos imaginar que vamos fazer 100% dos pagamentos do nosso jeito. Precisamos de outras formas, ideias e participantes. Esse é o nosso novo mundo.
DINHEIRO – A recente compra da Nets por € 2,8 bilhões faz parte dessa estratégia?
PARO NETO – Essa é uma empresa que vai compor o nosso portfólio de soluções de transferências corporativas. Estamos acrescentando mais capacidade ao nosso modelo de transações e esse movimento tem o foco de fazer com que a gente fique melhor. O fato é que mudamos de patamar do que nós éramos para o que nós somos. Essa aquisição nos ajuda nessa transformação.
DINHEIRO – Quando você acredita que o dinheiro vivo e o cartão vão deixar de existir?
PARO NETO – Temos o desafio de alcançar 60% dos pagamentos feitos em meios eletrônicos até 2024. Ao alcançar esse número é mais fácil pular para 80%, por exemplo. Estamos avançando a passos largos.
DINHEIRO – A tecnologia avança para as empresas, mas também para as pessoas que tentam cometer fraudes. Como vocês estão se preparando para combater isso?
PARO NETO – Temos alguns pontos de fragilidade. A transação nas redes, autenticação do cliente e a exposição de banco de dados são alguns deles. Estamos investindo muito para encontrar soluções para cada uma dessas três frentes. A Mastercard sofre cerca de 70 mil ataques por dia, mas a gente sabe se defender com robôs e ferramentas que protegem os nossos clientes.
DINHEIRO – Existe alguma estratégia de segurança específica para o Brasil?
PARO NETO – Não, de forma alguma. A fraude hoje não é de país, ela é global. Nós temos um painel mundial que nos ajuda a bloquear os ataques que caminham nos diferentes continentes ao mesmo tempo. Como empresa global, nós temos mais capacidade de barrar esses problemas.
DINHEIRO – Qual será o próximo passo?
PARO NETO – Eu acredito que muito em breve vamos lançar uma tecnologia em que o próprio celular funcionará como um cartão. Ou seja, as pessoas só precisarão aproximar dois telefones para efetuar o pagamento e ir embora. É por esse motivo que estamos em uma fase de estudar o comportamento de compra dos nossos clientes, pois cada detalhe conta na hora de confirmar uma transação. Vou dar alguns exemplos. O jeito que você navega na internet, o modo como segura o celular e o dedo que usa para fazer um clique faz parte de mais de 200 tipos de comportamentos que aprendemos com o perfil de uma pessoa. Quando autenticamos uma compra por comportamento, portanto, eu consigo ter mais segurança de que é realmente aquela pessoa que está por trás do aparelho. Acredito que em até três anos vamos ter esse sistema totalmente implantado. A partir daí, vamos para a próxima geração de ferramentas e softwares.
DINHEIRO – O que podemos esperar da Mastercard em 2019?
PARO NETO – Estamos trabalhando fortemente para que esse ano o mercado brasileiro de pagamentos digitais termine com crescimento de 18%. Acreditamos que no curto prazo as transações eletrônicas representarão 50% dos pagamentos. Depois, a briga será ainda maior para ter um número mais robusto. Esse é o nosso maior desafio hoje.