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24/06/2019 - Libra: criptomoeda do Facebook pode revolucionar o modelo econômico em que vivemos

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Por: Gustavo Cunha

São poucas vezes na vida que experimentamos a sensação de estarmos participando de um momento histórico. Na maioria das vezes esses momentos acabam sendo entremeados pelos afazeres do dia a dia, e acabam passando despercebidos.

Já vivi o suficiente para ter constatado isso em dois episódios. O primeiro quando, na mesa de operações do HSBC Asset, assisti pasmo os dois aviões que foram lançados nas torres gêmeas em 2001, e o segundo quando, já na tesouraria do Rabobank Brasil, acompanhei de muito perto a crise de 2008, falando quase que de hora em hora com a mesa de Nova York.

Em ambos os casos, o foco na resolução dos problemas de curto prazo e a falta de experiência e visão me consumiram, fazendo com que eu não tivesse a clara percepção do quanto aqueles momentos seriam decisivos para o mercado financeiro e para a vida de todos nós.

Bem, uma hora aprendemos e agora, com muito mais experiência e cabelos brancos, sempre tento ver e analisar o que está acontecendo de uma maneira diferente, para poder pinçar, do turbilhão de notícias e acontecimentos que nos assolam diariamente, aqueles momentos históricos que irão mudar o mundo e as nossas vidas.

E qual não foi a minha surpresa quando comecei a ler e discutir o whitepaper da criptomoeda do Facebook, a Libra. Passei as últimas 24 horas praticamente debruçado sobre ele.

Como meu pai sempre disse, e corroboro completamente, tempo é questão de prioridade. E coloquei a análise desse momento histórico para a vida de todos nós, ocidentais, à frente de vários compromissos que tinha, especialmente do sono, para poder entender melhor e firmar os conceitos e as conclusões que neste texto expresso.

O whitepaper da Libra é, certamente, um dos momentos marcantes para toda a sociedade ocidental. Boa parte dos conceitos e modelo de negócio ali descritos têm potencial de alterar significativamente a estrutura do sistema financeiro mundial, aqui incluído não somente as instituições financeiras, mas também Bancos Centrais, reguladores, bolsas de valores, adquirente de cartões, sistemas de pagamento, bandeiras e todos envolvidos de alguma forma na transferência de valores entre pessoas, empresas ou países. E pode ir até além, substituindo o dólar como moeda hegemônica no mundo.

O caminho para isso de forma alguma é linear e fácil. Como todo novo modelo de negócio, é razoável esperar críticas, restrições regulatórias e desconfianças de vários agentes dos modelos de negócios que estão sendo questionados.

Imaginem quando esse agente da mudança (Facebook) tem uma base de usuários de mais de 2,5 bilhões de pessoas, está associado a várias empresas importantes, está preste a criar a maior Fintech do mundo e, além disso, tem um histórico não muito cartesiano em questões relativas à privacidade e ao tratamento de dados.

Nesse caminho há muito ainda por ser discutido, alinhado, trabalhado, e por vias até alterado mas, mantida a visão e missão descritas no Whitepaper, muito do que detalho abaixo seguirá intacto.

Separei minha análise em 3 partes (curto, médio e longo prazo), mas faço aqui a ressalva de que essa ordem não está escrita “a ferro e fogo”, e muito das conclusões, desafios e discussões correm em paralelo.

1- Curto prazo

Uma corrida para definir os outros participantes do consórcio. Atualmente são 27, e nesse grupo não há nenhuma instituição bancária ou asiática. É de se esperar que haja alguns bancos nesse grupo, já que a constituição da Reserva Libra, que são os ativos que dão lastro para a criptomoeda Libra, necessitam de instituições financeiras para custodiar os títulos.

O fato de não termos nenhuma nesse momento inicial denota, no meu entendimento, que os bancos não estão conseguindo manter o passo com as inovações e com as regulamentações que têm que cumprir ao mesmo tempo; que a aversão a risco que dominou as diretorias de todos os bancos no mundo esteja ainda presente; ou que simplesmente não tenham sido convidados (apesar de já haver informações de que alguns bancos – ING especificamente – teriam sido convidados e declinaram).

Independente da razão, não tenho dúvidas de que muitos dos grandes bancos mundiais irão se candidatar para participar dessa iniciativa.

Em relação à Ásia, essa já tem um sistema de pagamentos muito diferente do ocidental. A maior parte das transferências de dinheiro já é feita sem intermediação bancária através de plataformas como o Wechat ou o AliPay, entre outros.

Por lá, o papel de “movimentador” de dinheiro entre partes já há tempos não é feito por bancos. É para um modelo parecido que acredito estarmos seguindo e, ter um desses gigantes asiáticos no consórcio, não somente ajuda a expandir a Libra para uma magnitude realmente mundial, como se aproveita da experiência que essas empresas tiveram na criação desse novo sistema mundial de pagamentos.

Outro ponto importante é a não participação de nenhuma das outras grandes empresas ocidentais de tecnologia na associação. Amazon, Apple, Microsoft e Google se juntarão a essa iniciativa ou surgirão com outras frentes? Essa questão está em aberto. Se ao menos uma delas se juntar ao grupo existente, imaginem a dimensão que essa iniciativa, que já é gigante, poderá atingir.

Se não, é bem provável que tenhamos alguma outra iniciativa pipocando por aí.

2 - Médio Prazo

Se a implementação da Libra tiver sucesso, teremos um meio de pagamento mundial que acabará com a nossa necessidade de usar bancos para fazer transferências, usar cartão de crédito/débito para fazermos pagamentos, e fechar câmbio para transferir dinheiro entre países (só para citar alguns dos negócios que serão transformados por essa iniciativa).

É claro que essa iniciativa tem desafios importantes para com os reguladores mundiais, já que todos os exemplos citados acima caem sob a tutela de reguladores e estão devidamente regulamentados e definidos em todos os países.

O segredo para o sucesso aqui é ter um grupo muito diverso de colaboradores, uma associação bem representada por empresas/pessoas influentes, e ter a adoção e paixão do usuário. Só isso basta? Provavelmente não, mas já ajuda muito.

O fato de a Libra ter código aberto também facilita a criação de um ecossistema de fintechs à sua volta, que viabilizará um ambiente propício para que novos unicórnios surjam. Um caso explicito e claro são as carteiras digitais para negociação da Libra. O Facebook saiu na frente com o anúncio da Calibra, mas nada impede que outras empresas corram para desenvolver a sua, e entrar na disputa por esse cliente.

Caso a Libra seja negociada nas grandes exchanges de criptomoedas, acredito que aumentará a atenção e demanda pelas criptos tradicionais, se é que posso chamar o Bitcoin e Ether de criptos tradicionais.

Com a entrada de 2,4 bilhões de pessoas no mercado cripto através da Libra, é de se esperar que isso gere uma facilidade de acesso as outras criptos, o que incrementaria a demanda e, por consequência, o preço.

O fato de o Bitcoin ter mais que dobrado de preço nos últimos meses talvez já seja uma antecipação a esse fato, mas à medida que a Libra for implementada, e mais pessoas aderirem à ela, mais movimentos de alta poderemos verificar.

3 - Longo Prazo

Caso a Libra tenha sucesso, teríamos um mundo efetivamente global, onde pagamentos por produtos de vários países poderiam ser feitos de maneira fácil e sem ter que utilizar os diversos intermediários do mercado de hoje.

Haveria uma total reformulação, desintermediação e possível barateamento dos meios de pagamento mundiais. O câmbio se tornaria automático, e necessário somente se alguém precisasse da moeda local, o que provavelmente seria feito através de uma exchange de cripto e não uma instituição financeira.

Os sistemas de pagamento atuais, que se baseiam em cartões de crédito/débito, praticamente sumiriam. Bancos como os conhecemos hoje não existiriam mais, e teriam seu papel redefinido/diminuído.

Se você chegou até aqui e ainda não se assustou com à proporção que essa iniciativa pode tomar, aqui vai mais uma tentativa: se a Libra se tornar uma moeda mundial, isso terá o poder de gerar uma nova ordem econômica mundial, que terá um impacto sem precedentes sobre as economias locais.

Poderá ser uma mudança tão grande quanto a que ocorreu quando tivemos a mudança do padrão Libra Esterlina/Ouro para o padrão dólar. Curioso notar que, em português ao menos, seria uma volta à Libra; não à Libra esterlina (moeda da Inglaterra), mas à Libra do Facebook.

Com essa nova moeda mundial podendo ser negociada livremente em todos os países, os bancos centrais podem perder, parcial ou totalmente, o controle sobre o fluxo de entrada e saída de capital e, portanto, ter menos controle sobre sua moeda.

Os impactos disso poderão ser sentidos nas dívidas enormes que a maioria dos países têm emitida na sua moeda. Caso a população comece a utilizar a Libra para todas as transações internas e externas, como o país cobrará impostos? E quem emprestará para esses países? E em qual moeda? Em Libra?

São inúmeras as dúvidas que tenho sobre como será o mundo caso tenhamos efetivamente uma moeda mundial com ampla aceitação, e sem um País ou Banco Central para dar respaldo para ela. Uma mudança de paradigma condizente com o que ocorreu quando abandonamos o padrão ouro.

A criação de uma moeda mundial não é novidade. O SDR (Special Drawing Rights), “moeda” criada em 1969 pelo FMI, e o próprio euro são iniciativas nessa direção, mas que por razões distintas não conseguiram ter a tração suficiente para desbancar o dólar.

A Libra tem uma similaridade grande com o SDR pois ambos são compostos por uma carteira de ativos de países com moeda conversível e de baixo risco e, dada a capilaridade do Facebook, pode finalmente alcançar esse objetivo.

A meu ver, o maior desafio deste momento está na cadeira dos reguladores mundiais. E esse é de curto, médio e longo prazo. Já há inúmeras constatações que a velocidade das inovações está suplantando em muito a velocidade de resposta dos reguladores, e o caso da Libra é mais um nessa esteira.

Como entender os fluxos dentro do país e entre os países? Como taxar as operações? Como garantir que haja um ambiente competitivo? Como assegurar que os investidores estejam protegidos? Estas são apenas algumas das perguntas que ainda não têm resposta.

Por fim, o que acho espetacular dessa iniciativa é o fato de estarmos vendo a criação de um modelo de negócio que mudará nossas vidas nos próximos anos.

A Libra abre espaço para termos uma infraestrutura do mercado financeiro muito mais simples, barata, direta e acessível em breve. Como disse no início, foram poucos momentos na minha vida que tive a clara visão de para onde estamos indo e os imensos efeitos que isso terá nas nossas vidas, e esse é um deles!

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