14/05/2019 - “Guerra das Maquininhas”: por que os grandes bancos podem acabar com a competição do setor
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Por: Edson Santos
A famosa “Guerra das Maquininhas” iniciou um novo capítulo em abril, quando o Itaú zerou a taxa de antecipação da sua credenciadora Rede. A Superintendência-Geral do Cade também já abriu um procedimento preparatório de investigação contra o Itaú.
A preocupação do Cade me parece totalmente adequada diante do risco de que os maiores bancos do país utilizem suas credenciadoras para zerar taxas e acabar com as credenciadoras independentes — que criaram um ambiente mais competitivo para os clientes nos últimos anos.
Os cinco maiores bancos brasileiros (Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Santander) são donos de boa parte da indústria de pagamentos brasileira.
Com isso, podem se dar ao luxo de reduzir a taxa de suas credenciadoras ao mesmo tempo em que compensam esse “sacrifício” com as taxas cobradas em outras partes da indústria de pagamentos. É um luxo que as credenciadoras independentes não podem se dar.
Como emissores de cartões de pagamento, os cinco maiores bancos são responsáveis por 65,7% do valor das transações de pagamento; como controladores de credenciadoras, detêm uma participação de mercado de 79,1%, por meio da Cielo, Rede e Getnet.
Com exceção do Santander, também controlam 100% dos arranjos de pagamento de Elo e de Hiper — terceira e quarta maiores bandeiras do mercado brasileiro, respectivamente.
Para exemplificar como essa concentração permite que os grandes bancos acabem com as credenciadoras independentes, vamos pegar como exemplo o próprio Itaú.
O maior banco brasileiro, medido em valores de ativos, é também o maior emissor de cartões de pagamento, com uma participação de mercado em torno de 35%, e é o controlador da Rede — a segunda maior credenciadora, com 28,7% de participação de mercado, conforme dados da CardMonitor em 2018.
A taxa zero na antecipação de recebíveis anunciada pela Rede é válida somente para transações de cartões de crédito à vista (ou seja, transações feitas em uma parcela), para lojistas com faturamento de até R$ 30 milhões por ano e, ainda, para os lojistas que recebem os pagamentos de cartões em uma conta do Itaú.
Vamos supor que, em média, um pequeno estabelecimento comercial esteja faturando R$10.000,00 por mês em cartões de crédito à vista. Ao liquidar esse valor em 2 dias, ao invés de 30 dias, a Rede/Itaú terá um custo de R$ 46,80 por mês (assumindo a premissa de que a Rede recebe do emissor em 28 dias e tem o custo de oportunidade de 100% do CDI).
O problema é que, para manter sua conta bancária no Itaú, este lojista deverá gastar cerca de R$55,00 por mês, o que significaria a recuperação pelo Itaú dos R$ 46,80 e ainda uma receita adicional de R$ 8,20. Essa receita do Itaú pode ser ainda maior caso o lojista tenha faturamento com crédito à vista menor que R$10.000,00 por mês.
Além disso, é preciso levar em conta todos os benefícios que o Itaú e os outros grandes bancos têm não só com as contas bancárias adicionais, mas também com as receitas provenientes de outros produtos e serviços relacionados a essas mesmas contas. Uma vez que um lojista se torna cliente, é possível oferecer cartões, empréstimos e outros serviços — e incrementar a receita com isso.
O Itaú é dono da Bandeira Hiper, enquanto o Bradesco, Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal controlam 100% da Bandeira Elo — a terceira maior do país. O surgimento de arranjos como o Elo foi comemorado pelos agentes reguladores, na época, como um ganho significativo para a sociedade, que passaria a contar com alternativas à supremacia das bandeiras, como Visa e MasterCard.
No entanto, o sucesso da Bandeira Elo não está diretamente relacionado a produtos e serviços diferenciados, rede de aceitação ou preços. Entendo que seu crescimento e sucesso se deve diretamente à capacidade dos bancos controladores em “tombar” toda a base de cartões de débito que estava com outra bandeira.
Em outras palavras, se você tinha uma conta bancária no Bradesco, Banco do Brasil ou na Caixa Econômica Federal, recebeu um cartão de débito da Bandeira Elo. Se desejasse ou se recebesse uma oferta de cartão de crédito, muito provavelmente seria da bandeira Elo, a não ser que tenha especificado a bandeira desejada.
Nesse cenário, qualquer instituição que não tenha participações cruzadas em diversos setores poderá sofrer forte concorrência, especialmente por preço, no seu setor, sem poder buscar compensações. Isto só reforça o ciclo vicioso em que os movimentos dos “grandes” e “fortes” dificultam ou impedem uma concorrência sadia.
SOBRE O AUTOR: Edson Santos é uma das maiores referências na indústria de pagamentos do Brasil. Ele é sócio e fundador da CO.LINK Business Consulting. Com 19 anos de experiência no mercado de meios eletrônicos de pagamentos, é autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira – A Evolução dos Meios-de-Pagamento”.