14/11/2018 - Instituição independente quer limitar poder de bancos no setor de cartões
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Em audiência pública promovida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ontem, representantes de adquirentes de cartões não ligados a bancos defenderam mudanças estruturais no mercado de meios de pagamento como forma de limitar a verticalização - possibilidade de instituições financeiras serem simultaneamente donas de bandeira de cartões, emissores e credenciadores - e fomentar a concorrência.
Para Vinicius Carrasco, economista-chefe da Stone, o custo regulatório envolvido no esforço de minimizar distorções como preços predatórios e contratos de exclusividade é excessivo e pouco eficiente. Sua avaliação é que as empresas acabam adotando medidas para contornar as limitações da regulação, e as barreiras à competição permanecem. O ideal, segundo ele, seria que o governo proibisse os bancos de terem bandeiras próprias. "A questão aqui é que as regras são determinadas por alguém que tem interesse nos outros elos da cadeia. É como ter o juiz do jogo vinculado a um dos times de futebol", afirmou.
Na mesma linha, Juan Ignacio de La Torre, vice-presidente da adquirente First Data, defendeu que talvez tenha chegado o momento de o país discutir se os emissores de cartões podem ser responsáveis pelos arranjos de pagamentos. Ele afirmou que outros países, como os Estados Unidos, já fizeram mudanças nessa estrutura. Na América Latina, segundo ele, o processo tem sido mais lento, o que ele atribuiu à menor experiência em direito da concorrência na região.
Do outro lado, representantes de bancos defenderam que a verticalização é uma realidade em vários outros setores e países do mundo e traz benefícios importantes, como eficiência, capilaridade e redução de custos. O ex-presidente do Cade e consultor do Santander, Gesner Oliveira, argumentou, ainda, que eventuais riscos à concorrência já são devidamente mitigados pelos órgãos reguladores, como o próprio Cade, Banco Central, Susep e CVM, além de códigos de autorregulação.
Em outro painel da audiência, Murilo Portugal, da Febraban, questionou argumentos de que a concentração bancária no país seria muito superior a de outros setores intensivos em capital no país e no mundo, o que ajudaria a explicar os spreads elevados.
Para ele, o custo operacional dos bancos explica a maior fatia dos spreads e por trás desses custos estão questões como os compulsórios elevados. "Mais competição é sempre positivo, mas não podemos esperar que a concorrência resolva esses problemas institucionais que, na nossa visão, são a principal causa de spreads elevados."
O presidente do Cade, Alexandre Barreto, ponderou que a verticalização por si só não é um problema, mas pode ser fonte de preocupação de ordem concorrencial se servir como instrumento de restrição no mercado. Segundo ele, a audiência pública, que teve apoio do Banco Central, foi um esforço de ouvir os agentes de mercado e subsidiar a atuação do conselho na área. Ele afirmou que, no passado, investigações do Cade geraram acordos com bancos que, na prática, quebraram a exclusividade entre bandeiras e credenciadoras e fomentaram a concorrência nos meios de pagamento.
No momento, a superintendência do conselho investiga práticas de tratamento discriminatório em processos envolvendo a fintech Nubank e bancos, criptomedas e bancos e Bradesco e a empresa GuiaBolso.
Reinaldo Le Grazie, diretor de Política Monetária do Banco Central, afirmou que a autarquia também vem buscando fomentar a concorrência na prestação de serviços financeiros, atuando para estimular a ampliação da oferta de novos serviços e a redução do custo de crédito.
Ele citou a segmentação de instituições, com regulação proporcional aos riscos, e também medidas mais recentes, como a facilitação da portabilidade do salário e o reconhecimento do interesse do governo na participação estrangeira no capital social de qualquer fintech.
"Com base no ambiente regulatório que tem sido criado, o mercado vem mostrando que a atuação em nichos específicos, e de forma inovadora, permite que entrantes contestem de forma vigorosa os incumbentes, oferecendo alternativas e soluções concorrentes", afirmou o diretor.