09/10/2018 - Cielo deixa sistema de trava de recebível; Rede e GetNet avaliam
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Por: Vanessa Adachi e Talita Moreira
A Cielo, credenciadora de cartões controlada por Bradesco e Banco do Brasil, comunicou na sexta-feira da semana passada a decisão de deixar o Sistema de Controle de Garantias (SCG). Ligado à Febraban, a federação dos bancos, o SCG é responsável por centralizar as informações de domicílio bancário dos lojistas com o objetivo de informar para qual instituição o fluxo de pagamento de operações com cartões de crédito e débito deve ser direcionado pelas credenciadoras, as empresas das "maquininhas".
Esse registro permite que os recebíveis de um estabelecimento comercial fiquem "travados" para garantir um empréstimo concedido por determinado banco. As grandes empresas do setor se queixam de que, enquanto elas e os bancos participam do SCG, as novas credenciadoras, com destaque para Stone, PagSeguro e Safra Pay, não fazem parte do sistema e, assim, não reconhecem a trava de recebíveis comprometidos em operações de crédito garantidas por tais papéis.
As credenciadoras menores, por sua vez, reclamam que os bancos travam inclusive a projeção futura de recebíveis, e não apenas as operações realizadas, o que prejudicaria a concorrência.
Diante da resistência das novas entrantes em aderir ao SCG, a Cielo resolveu sair e, nas palavras de uma pessoa com conhecimento do assunto, "jogar pelas mesmas regras". "Há muitos casos de calotes nas operações de crédito porque as garantias simplesmente viraram pó", disse. Na prática, a Cielo poderá também "atravessar" as travas de outras credenciadoras.
Segundo o Valor apurou, a Rede, do Itaú, e a Getnet, do Santander, cogitam seguir pelo mesmo caminho que a Cielo - no caso da Rede, o assunto poderá ser tratado em reunião do conselho na semana que vem. Com isso, a SCG deixaria de funcionar na prática. Nos últimos anos, o sistema ajudou a dar segurança para que os recebíveis não fossem usados em duplicidade como garantia de empréstimos tomados pelos lojistas.
Segundo outra pessoa familiarizada com o assunto, a intenção das grandes credenciadoras, agora, seria atacar os recebíveis das menores e preservar as operações de suas maiores concorrentes.
A partir da comunicação ao SCG, as credenciadoras têm 90 dias para finalmente deixar o sistema. Com esse prazo pela frente, ainda existe expectativa de que algum outro arranjo seja possível. Cielo, Rede e GetNet parecem tentar pressionar as concorrentes e o próprio Banco Central para que se chegue a um acordo para colocar as menores dentro do SCG. As pequenas resistem.
O BC tem assumido a postura de não interferir diretamente no tema, sob o argumento de que o SCG é um sistema privado e que as partes precisam chegar a um acordo.
O órgão regulador já decidiu que o controle das garantias passará a ser feito por meio de uma registradora de recebíveis. Em setembro, colocou em consulta pública uma proposta de regulamentação sobre isso. O texto também estabelece que a trava dos recebíveis só poderá ser parcial, ou seja, proporcional à operação de crédito especificamente garantida por eles.
Desde então, as credenciadoras dos bancos e as independentes estão num embate sobre como será feita a transição para o novo modelo. A primeira divergência é sobre o uso do SCG como a esfera adequada para fazer essa migração. Outra discussão é sobre o tamanho do bloqueio de recebíveis que poderia ser feito. O Valor noticiou em setembro que, diante do impasse, Cielo e Rede ameaçavam sair do SCG.
Bancos e credenciadoras aderentes ao SCG fazem uso do sistema especialmente para operações conhecidas no jargão do mercado como "fumaça". O banco dá o empréstimo, mas não toma recebíveis específicos como garantia. A contrapartida para melhores condições de crédito é que o lojista concentre todo o fluxo dos recebíveis na instituição. Estima-se que cerca de R$ 100 bilhões em empréstimos se encaixem nessa modalidade.
Mas as novas credenciadoras veem no fato de não participarem do SCG uma oportunidade de ganhar mercado. Para atrair clientes, oferecem aos estabelecimentos a possibilidade de depositar os recursos na instituição que quiserem. Os bancos alegam que, com isso, o risco aumenta e, portanto, as taxas dos empréstimos também.
Procuradas, Cielo Rede e GetNet não comentaram o assunto. A Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), que opera o SCG, não se manifestou.
O Banco Central afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que não tem ingerência sobre o SCG, um acordo privado. Porém, disse que, com a autenticação dos recebíveis em uma registradora, "pretende dar mais eficiência e segurança às operações de desconto e de crédito vinculadas a recebíveis de cartões pelos estabelecimentos comerciais", e assim estimular a concorrência. O BC afirmou esperar que o mercado se ajuste no processo de transição e, para isso, "vem intermediando e facilitando o entendimento entre as partes".