24/05/2018 - Cerc prepara registro de recebíveis de cartão
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Por: Eduardo Campos
A Cerc Central de Recebíveis está lançando o projeto piloto de uma nova forma de antecipar recebíveis de cartão de crédito. Em parceria com uma credenciadora, a Cerc fará o registro dos recebíveis gerados por uma empresa de varejo, dando publicidade ao negócio. Com esse modelo, o varejista escapa da chamada "trava bancária" e também pode conseguir melhores taxas de desconto para antecipação de recursos. Já a credenciadora tem a possibilidade de vender essa carteira de recebíveis para terceiros, ganhando nova forma de financiamento.
De acordo com o sócio e fundador da Cerc, Fernando Fontes, essa inovação já instruída no campo regulatório chegará em breve no campo operacional e o mercado vai convergir para essa nova prática. As operações de cartão de crédito movimentaram R$ 840 bilhões no ano passado.
Segundo Fontes, do lado das contas a pagar, a ideia é que haja mais competição com outros players - como fundos, bancos e fintechs - pelos recebíveis. Nas contas a receberm a proposta é que a credenciadora possa aumentar sua fonte de funding junto a outros agentes financeiros.
No modelo atual, para financiar as vendas no cartão de crédito o lojista dispõe, basicamente, de duas alternativas. Antecipar o recebimento junto às credenciadoras, como Cielo, Rede e PagSeguro, com um desconto. Ou fazer uma operação junto aos bancos, geralmente mais longa, que aceita os recebíveis de cartão em troca.
Hoje, há um controle de garantias privado feito pelos bancos no âmbito da câmara de compensação CIP. Por esse acordo privado, todas as operações da empresa X só podem ser arrecadadas pelo banco Y. Essa é a chamada "trava bancária".
O modelo gerava pouco conflito quando foi instituído, pois o sistema era mais verticalizado, com os bancos detendo toda as partes da cadeia. Mas, com o ciclo de abertura do mercado, os estabelecimentos perceberam uma imperfeição. Poderiam fazer a linha de crédito com um banco e no momento seguinte achar uma credenciadora independente e direcionar suas vendas, esvaziando as garantias.
Segundo Fontes, a configuração atual do mercado é de "perde-perde". O estabelecimento preso na "trava bancária" não pode fazer nenhuma outra operação, mesmo que pontual, de antecipação, pois o eventual excedente de vendas além da garantia não pode ser utilizado. Por outro lado, o banco pode sofrer com esse esvaziamento de garantias.
Desde a edição da lei 13.476 e da resolução 4.593 do Conselho Monetário Nacional (CMN), no ano passado, o registro de ativo financeiro em registradora autorizada pelo Banco Central (BC) tem valor de publicidade. E toda a conta a pagar é um ativo financeiro elegível para constituição de ônus e gravame para depositárias autorizadas.
Em entrevista ao Valor em 19 de abril, o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Reinaldo Le Grazie, disse que as registradoras de recebíveis "podem trazer uma grande evolução, se não revolução, no mercado de crédito". Segundo o diretor, o registro do recebível em ambiente único garante que não há risco de dupla utilização, além de permitir ao comerciante, por exemplo, fazer uma oferta das contas que tem a receber em ambiente público, conseguindo melhores taxas de antecipação.
Segundo Fontes, a alternativa que passa a ser oferecida agora cria condições de convivência, com maior oferta para o estabelecimento comercial, que ainda paga spreads elevados na antecipação apesar do baixo risco da operação.
Para Fontes, mesmo o BC induzindo o mercado a reduzir os prazos de pagamento das operações com cartão de crédito aos lojistas, o modelo atual no qual o vendedor recebe, em média, 17 dias após a venda, deve perdurar, pois o custo de financiamento ao consumo no país é elevado.
Segundo o executivo de uma credenciadora, o registro dos recebíveis em uma central gera um mecanismo mais eficiente e transparente, ampliando a competição no mercado.
"O mercado de antecipação e uso de recebíveis para tomada de crédito é muito ineficiente e pode ser melhorado loucamente com esse registro e a criação de um mercado secundário", avalia.
As operações com cartão de crédito geram dois recebíveis. Um da credenciadora frente ao banco emissor, e outro do lojista com a credenciadora. Uma eventual operação de securitização dos recebíveis que uma credenciadora tem contra um banco pode reduzir de forma substancial o custo de funding da credenciadora.
Para esse executivo, a discussão sobre a redução no prazo de pagamento das vendas de cartão de crédito ao lojista desaparece com essa nova sistemática. Ele lembra que os bancos já oferecem um produto, o parcelado lojista, no qual o vendedor recebe dois dias úteis após a venda, mas que o produto não avança em função do custo.
Com maior competição na antecipação dos recebíveis aliada à diferenciação de preço por meio de pagamento, ele acredita que os bancos terão de se mexer se quiserem continuar competitivos. O lojista segue recebendo dois dias após a venda, mas pagando taxas menores, e pode repassar esse custo de forma transparente ao tomador, mostrando a diferença de custo entre pagamentos à vista ou débito da modalidade crédito.
Créditos foto: Silva Zamboni/VALOR