29/01/2018 - PagSeguro faz estreia de gala e sobe 35% na Nyse
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Num mercado inundado com dinheiro barato e euforia com as empresas de tecnologia financeira, a credenciadora de cartões PagSeguro desembarcou ontem com enorme sucesso na Bolsa de Nova York (Nyse) com o apelo de ser uma "fintech" brasileira que cresce a taxas asiáticas.
A empresa, controlada pelo UOL, concluiu no fim da noite de terça-feira seu IPO (oferta inicial de ações), que movimentou US$ 2,6 bilhões, incluindo a colocação dos lotes extras de papéis. Desse total, US$ 1 bilhão vai para o caixa da empresa e o restante, para o acionista. A operação teve tamanho e preço ampliados depois de atrair uma demanda superior a 15 vezes a quantidade de ações ofertadas inicialmente. Ainda assim, os papéis subiram 35,8% ontem, na sessão de estreia, para US$ 29,20, o que deixa a PagSeguro com valor de mercado de cerca de US$ 9,3 bilhões (aproximadamente R$ 29,5 bilhões).
Foi o maior IPO de uma companhia estrangeira na Nyse desde a oferta do gigante chinês de tecnologia Alibaba, que movimentou US$ 25 bilhões em 2014. Também representou a maior abertura de capital de uma companhia brasileira desde a BB Seguridade, em 2013.
A oferta da PagSeguro atraiu investidores pesos-pesados do mundo todo ao reunir os atrativos de ser uma empresa do setor financeiro, tecnológica, com altas taxas de crescimento e já rentável. "É uma fintech, mas não uma startup, e gera lucro. Essa combinação é rara", diz um interlocutor que conhece a operação.
Conforme noticiou na terça-feira o Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, o livro de ordens da oferta atraiu mais de 500 investidores e abrangeu fundos globais, dedicados a fundos emergentes e setoriais. Com tamanha demanda, pessoas físicas ficaram com participação muito pequena no bolo.
A oferta foi desenhada justamente para colocar a PagSeguro na rota desses fundos com grande poder de fogo. Esse também foi um dos motivos para a escolha da Nyse, e não da B3, como praça de listagem das ações.
A outra razão é o posicionamento estratégico da companhia. O objetivo é alinhar a PagSeguro a empresas de meios de pagamentos digitais, como PayPal, Alipay e Square, e não com credenciadoras de cartões - embora sua fórmula de sucesso tenha sido talhada num modelo inovador de "maquininhas" para transações de crédito e débito. Ao se listar em Nova York, meca das ações do setor de tecnologia, a mensagem que se quer transmitir é que o comparável da PagSeguro não é a Cielo, e sim o PayPal, diz uma fonte.
Ainda há um caminho a ser percorrido para isso, no entanto. Enquanto os papéis da PagSeguro saíram no IPO num patamar equivalente a 25 vezes o lucro estimado para este ano, as ações do PayPal são negociadas a um múltiplo de 33 vezes o lucro. No caso da Cielo, essa relação está em 15 vezes. Ao mesmo tempo, analistas internacionais começam a questionar, aqui e ali, se não haveria uma bolha de ações de companhias de tecnologia financeira.
Por ora, a história que a PagSeguro tem mostrado é de crescimento. O lucro da empresa vem mais que dobrando a cada ano e a estimativa é que tenha chegado a até R$ 480 milhões em 2017 - o balanço ainda não foi divulgado. Até setembro, foi de R$ 290 milhões. A companhia tem participação de mercado no volume transacionado com cartões no país estimada em 2%, bem atrás de Cielo, Rede e GetNet, líderes do setor. "Há muito espaço para crescer", afirma um interlocutor próximo à companhia.
A criação da PagSeguro representa a mais recente - e, de longe, mais bem-sucedida - reviravolta no UOL. Criada em 1996 como provedora de conteúdo e acesso à internet, a companhia diversificou suas atividades para áreas como segurança e armazenamento de dados e pagamentos on-line. Nenhum desses negócios se compara à criação da PagSeguro. Em 2015, a empresa mudou a competição no mercado de credenciadoras de cartões - ainda hoje dominado pelos bancos - ao lançar um modelo de venda de "maquininha" em vez do tradicional aluguel. Dessa forma, encontrou seu nicho sobretudo entre clientes que estavam fora do radar das principais companhias do setor, como ambulantes e taxistas.
Quando fechou seu capital na B3, no fim de 2011, o UOL tinha um valor de mercado de R$ 3,3 bilhões, em números atualizados - nove vezes menos que a capitalização alcançado ontem pela subsidiária em Nova York. Com o caixa fortalecido por US$ 1 bilhão, a PagSeguro pretende reforçar seu serviço de antecipação de recebíveis a lojistas, fazer investimentos e possíveis aquisições, segundo descreveu no prospecto da operação.
A oferta também engordou a fortuna da família Frias, também controladora do jornal "Folha de S.Paulo". Dona de 64,5% do UOL, que controla a PagSeguro, a família deve embolsar em torno de US$ 1 bilhão com a venda das ações - Luís Frias, que tem participações diretas e indiretas na PagSeguro, deve levar por volta de US$ 760 milhões. Com a alta dos papéis na bolsa ontem, a participação remanescente da família no negócio era avaliada em mais de US$ 3,7 bilhões.
Após a oferta, o UOL ainda deverá deter 94% do capital votante da PagSeguro. As ações dos controladores dão direito a dez votos cada, contra um dos papéis que foram a mercado. Depois da família Frias, o principal acionista do UOL é o empresário João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, que controla a Hypermarcas, com uma participação de 14,9%. Os mexicanos da Negotio Magni possuem 10,8% da companhia, e BTG Pactual Principal Investments, 6,5%.
O negócio também gerou boas comissões para os bancos que atuaram na operação. As comissões relacionadas à oferta - das quais a maior parte se refere aos pagamentos das instituições financeiras que assessoraram a companhia - somam US$ 104 milhões, de acordo com o prospecto. Goldman Sachs e Morgan Stanley foram os coordenadores globais da operação, que também teve participação de Bank of America Merrill Lynch, Credit Suisse, Bradesco BBI, Deutsche Bank, J.P. Morgan e Itaú BBA.
Procurados pelo Valor, UOL e PagSeguro não retornaram os pedidos de entrevista até o fechamento desta edição. (Colaborou Vinícius Pinheiro)