Museu do Cartão de Crédito

30/10/2017 - Os banqueiros da tecnologia

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ISTOÉ DINHEIRO 

Por: Ralphe Manzoni Jr., Rodrigo Loureiro 

Há pouco mais de cinco meses, executivos do Google procuraram empresas de comércio eletrônico no Brasil. Buscavam parceiros para fazer a estreia mundial de uma solução de pagamento. Na segunda-feira 23, o movimento foi concretizado. A rede varejista Magazine Luiza, o aplicativo de entrega de comida iFood, o site de viagens Hotel Urbano e o portal de ofertas e de cupons Peixe Urbano fazem parte de um seleto grupo que deu o pontapé inicial no recurso “Pagar com Google”. Trata-se de um botão que aparece no final da compra. Ao clicar nele, o consumidor que tem um cartão de crédito associado a uma das plataformas da companhia de Mountain View, como Google Play ou YouTube, paga sua compra de forma simples. Se não tem, basta cadastrá-lo e não precisa digitar mais nada. “Em poucos dias, 4% das nossas compras foram realizadas com o botão do Google”, afirma Marcelo Zeferino, responsável pela área de produtos de mobilidade do Peixe Urbano.

O Google não é uma exceção entre as empresas de tecnologia. Ao contrário. Nesse caso, a inovadora companhia fundada pelos americanos Larry Page e Sergei Brin é praticamente uma retardatária. Seus pares do Vale do Silício estão anos à frente. A PayPal, fundada por Elon Musk, é a pioneira nessa área. No fim dos anos 1990, ela criou um meio de pagamento digital, tornando-se a primeira fintech do planeta, época em que o termo nem sequer existia. Hoje, está em mais de 200 países e conta com 218 milhões de contas ativas – apenas 3 milhões delas no Brasil. Depois da PayPal, muitas se aventuraram pelos serviços financeiros. A Apple, de Tim Cook, conta com o Apple Pay. A Samsung criou recurso similar ao da empresa da maçã para equipar seus smartphones. A Amazon desenvolveu o Amazon Pay.

O Facebook, de Mark Zuckerberg, está testando transferência de dinheiro pelos aplicativos de mensagens Messenger e WhatsApp. O gigante varejista chinês Alibaba é dono do Alipay, que alcançou incríveis 400 milhões de consumidores registrados e realiza 175 milhões de transações por dia. O PagSeguro, do UOL, apostou em uma máquina para transações com cartões que já rivaliza com Cielo e Rede, as duas maiores empresas dessa área. E, por fim, o latino-americano Mercado Livre conquistou 191 milhões de consumidores com o Mercado Pago. No segundo trimestre deste ano, sua solução de pagamento digital movimentou US$ 3,1 bilhões. “O Mercado Pago poderá ser ainda maior do que o Mercado Livre”, afirmou Stelleo Tolda, cofundador do Mercado Livre, em entrevista ao programa MOEDA FORTE, na TV DINHEIRO.

Essas soluções de pagamentos estão crescendo porque não estão restritas ao seu próprio ambiente digital. Elas são aceitas pelos mais diversos varejistas. O Mercado Pago, por exemplo, é aceito no Mercado Livre, mas diversos varejistas a usam também em seus sites de comércio eletrônico. Em São Paulo, quem paga a Zona Azul pelo aplicativo Zul Digital nem percebe que está usando o meio de pagamento do maior marketplace da América Latina. Mas isso, de forma isolada, não explica o avanço das empresas de tecnologia na seara dos serviços financeiros. A pesquisa Millennials Disruption Index, realizada pela consultoria americana Scratch com mais de dez mil americanos, dá uma série de pistas.

De acordo com ela, 71% dos jovens que nasceram a partir de 1985 preferem ir ao dentista a uma agência bancária. Mais: 73% deles gostariam de gerenciar seus serviços financeiros no Google, Amazon, Apple e PayPal. Não bastasse isso, quando os millennials tentam abrir uma conta em um banco tradicional, boa parte deles é rejeitado. “As pessoas mais jovens têm mais confiança em marcas de tecnologia do que nos bancos”, afirma Marcelo Coutinho, coordenador do mestrado profissional da FGV, em São Paulo. “Em um mundo movido a dados, essas marcas saem na frente para gerenciar diversas peças da vida dos consumidores e as transações financeiras são apenas um desses aspectos.”

O que se observa, neste momento, são apenas os primeiros passos desses titãs do setor de tecnologia no mercado brasileiro. “Esse é um movimento muito mais interessante do que o da moeda virtual Bitcoin”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e conselheiro da Nubank, uma fintech que tem um cartão de crédito roxo e está lançando um conta corrente digital. O Google, por exemplo, deve trazer para o Brasil o Android Pay, seu aplicativo que permite pagamentos com o smartphone. Segundo DINHEIRO apurou, o recurso estará disponível até o fim deste ano. A Apple deve lançar o Apple Pay em 2018.

Os dois são rivais do Samsung Pay, que está no Brasil desde meados do ano passado e funciona em 15 smartphones da fabricante coreana de celulares. De forma resumida, os três recursos permitem que um celular se transforme em um cartão de crédito apenas aproximando-o das tradicionais maquininhas de pagamento. “Mais de 90% dessas máquinas aceitam o Samsung Pay”, afirma Renato Citrini, gerente-sênior de produtos área de dispositivos móveis da Samsung Brasil. A chegada do Android Pay e do Apple Pay não deve ser a única novidade nessa área nos próximos meses.

Assim como fez as varejistas Amazon, Alibaba e Mercado Livre, o Magazine Luiza estuda também entrar na área de pagamentos digitais. Durante uma apresentação em São Paulo, em meados de outubro, o presidente da rede varejista, Frederico Trajano, mostrou uma tela em que dava pistas de como ele enxergava a evolução do marketplace da companhia, que já conta com 500 vendedores e um milhão de itens a venda. Entre as novidades que ele prevê que entrarão no ar em 2018 estão a integração de seus parceiros de vendas com as lojas físicas, o gerenciamento de inventário de terceiros e um meio de pagamento próprio. Trajano não quis dar detalhes sobre esses planos ao fim da palestra.

CARTEIRA DIGITAL 

A batalha dos pagamentos digitais conta com um protagonista: o smartphone. Ele deve ser a carteira digital do século 21. O celular, não há dúvida, é a aposta de quase todos os atores desse mercado, em especial Apple e Samsung, que fabricam os aparelhos, e do Google, que desenvolve o sistema operacional Android. Mas, no caso da Paypal, é quase que uma religião. “O celular é o futuro dos meios de pagamentos”, afirma Paula Paschoal, diretora geral da PayPal no Brasil. A companhia joga todas as fichas no aparelho, reforçando parcerias com varejistas tradicionais e online. No Brasil, quem abastece o carro em postos Shell pode pagar o combustível com o smartphone desde que tenha uma conta PayPal. É fácil pagar um táxi usando os aplicativos Uber, 99 e Cabify, se for usuário do aplicativo da companhia americana, que vale U$ 85,7 bilhões na Nasdaq, bolsa eletrônica na qual são comercializadas as principais ações de empresas de internet e tecnologia.

Mas não pense que tudo se resume ao celular. Os banqueiros tecnológicos também estão incomodando nichos tradicionais, como o dos adquirentes, nome dado às empresas que vendem os equipamentos e realizam as transações de pagamentos nos pontos de vendas. Quem está se saindo bem nessa batalha é o PagSeguro, do UOL, dono da máquina que batizou de Moderninha. Um levantamento realizado pelo banco de investimento UBS com 70 pequenos varejistas na cidade de São Paulo mostrou que a solução do UOL está ganhando tração. Ela foi citada por 24% das empresas entrevistadas, ficando atrás apenas de Cielo e Rede. “O preço virou a prioridade número um nesse mercado”, afirma Frederic De Mariz, diretor executivo de análise de empresas financeiras do UBS. A vantagem do PagSeguro sobre seus rivais tradicionais é seu modelo de negócio. Ele vende a Moderninha, em vez de alugar. O Mercado Livre também tem avançado bastante nessa área, desde que lançou o equipamento batizado de Point, em 2015. “Se fôssemos uma adquirente, o Mercado Pago estaria entre as seis principais do Brasil”, afirma Túlio Oliveira, diretor do Mercado Pago no Brasil.

Apesar de competirem entre si, a cooperação é a regra do jogo em muitos casos. Tome como exemplo do Facebook. Neste mês, a rede social de Mark Zuckerberg começou a testar a transferência de dinheiro por meio do aplicativo Messenger em parceria com a PayPal. A bandeira de cartão de crédito Mastercard criou sua carteira virtual batizada de MasterPass, mas fez acordo com Google e Samsung para oferecer suas soluções de pagamentos aos usuários dos Estados Unidos. “Trata-se de uma relação benéfica a todos os atores do ecossistema de pagamentos digitais”, afirma João Pedro Paro Neto, CEO da Mastercard no Brasil e no Cone Sul. A Visa, que lançou seu programa batizado de Checkout no Brasil em 2015, acredita também que os competidores apenas ajudam a desenvolver o setor. “Vale lembrar que dentro do Pagar com Google, o consumidor poderá usar o cartão Visa”, diz Percival Jatobá, vice-presidente de produtos da Visa no Brasil.

É difícil imaginar essas empresas substituindo os bancos tradicionais no curto e médio prazo. Mas assim como boa parte das fintechs, elas têm potencial de ganhar espaço no mercado financeiro. Um relatório de 45 páginas do banco de investimento Goldman Sachs estima que as empresas de tecnologia de serviços financeiros brasileiras podem gerar uma receita conjunta de US$ 24 bilhões nos próximos 10 anos.“Acreditamos que as fintechs podem ter um grande impacto Brasil, muito maior do que em outros mercados desenvolvidos”, diz um trecho do texto, escrito pelos analistas Carlos Macedo, Marcelo Cintra, Steven Goncalves e Nelson Catala. Muitas vezes, o valor gerado pelos serviços de Google e Facebook não pode ser medido apenas pelas taxas que são cobradas nas transações.

O Pagar com Google, por exemplo, é gratuito. “Ele não nos cobra nada”, confirma João Ricardo Mendes, fundador e CEO do Hotel Urbano. “Sua grande vantagem é que o usuário consegue concluir a compra com apenas um clique.” Seria ingênuo imaginar que esse clique está saindo de graça. Com o recurso, o Google passa a deter dados de comportamento desses usuários, como os lugares que gostam de comprar, os itens que adquirem e seus gastos médios. Na era do Big Data, essas informações são tão valiosas como o petróleo no século 20. É com elas que os banqueiros tecnológicos vão fazer tanto dinheiro quanto os banqueiros de tijolo e argamassa.

Créditos imagem: Fotomontagem - Evandro Rodrigues sobre fotos de Divulgação. 

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