22/08/2017 - Com máquinas de cartão, cheque sai de cena
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Não aceitamos cheques”. O alerta é cada vez mais comum no comércio, lojas de shoppings e restaurantes de grandes cidades. A popularização das máquinas de cartão tem levado cada vez mais os brasileiros a deixarem de lado as folhas de cheque, inclusive os populares pré-datados. Mesmo com o salto no número de contas bancárias no país — de 39 milhões em 1995 para 155 milhões atualmente — a compensação de cheques despencou 82,7% no mesmo período, segundo dados da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).
O cheque está voltando à sua função original: ser utilizado em pagamentos de maior valor, como entrada da casa própria ou do carro. E, mesmo assim, agora sofre a concorrência das operações digitais, como a Transferência Eletrônica Disponível (TED) — diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
Dados da Febraban mostram que, em 1995, foram compensados 3,3 bilhões de cheques no país. Já em 2016, esse total caiu para 576,4 milhões. E a tendência, segundo os especialistas, é que esse número encolha ainda mais, embora ninguém acredite que o cheque vá desaparecer por completo.
Entre restaurtantes, donos de food truck e comerciantes em geral, o cheque tem se tornado cada vez mais uma raridade. Há casos em que os estabelecimentos avisam os clientes na entrada, com cartazes, que ali o cheque foi abolido como meio de pagamento.
Só trabalhamos com cartão de débito e crédito, desde que inauguramos, oito meses atrás — diz Ana Paula Ventrice, gerente da Officina, um misto de padaria, rotisserie e empório no Brooklin, Zona Sul de São Paulo, que aponta os “borrachudos” (cheques devolvidos por falta de fundos) como um dos motivos para evitar essa forma de pagamento.
Segundo o Procon de São Paulo, aceitar cheque é opcional no comércio. O meio de pagamento obrigatório é a moeda corrente nacional, diz o órgão, conforme o artigo 315 do Código Civil.
“Se o fornecedor não quiser aceitar cheque como forma de pagamento deverá informar de maneira clara, precisa e principalmente ostensiva, com cartazes em local de fácil visualização, sobre a restrição”, diz a orientação do Procon.
FALTA DE FUNDOS E ASSINATURA DIFERENTE
O movimento do pagamento digital já chegou a profissionais liberais como dentistas e médicos, que quase não recebem mais cheques, depois que passaram a oferecer a opção de pagar com cartão. E o parcelamento com o pré-datado está sendo substituído pelo cartão de crédito.
Os clientes que queriam parcelar tinham que se programar para trazer várias folhas de cheque, o que era um inconveniente. Algumas vezes, a assinatura não batia, o cheque voltava, e era preciso ligar para o paciente, que também tinha que retornar para trocá-lo. Hoje, 70% deles preferem usar o cartão — afirma o odontopediatra Marcelo Apfel, do Rio, que passou a oferecer o pagamento digital no ano passado. Ele lembra que, parcelando o tratamento em três vezes, não há juros.
O obstetra Elvio Floresti Junior, de Santo André, na Grande São Paulo, observa que 90% de seus pacientes já aderiram ao pagamento eletrônico. Quando passou a oferecer a opção, há alguns anos, eram apenas 10%. E, mesmo com os custos da máquina de cartão, a praticidade acaba compensando. Os demais especialistas de sua clínica, conta, também já aderiram à novidade.
Ninguém quer usar mais cheque ou ficar carregando dinheiro vivo — afirma Floresti.
Depois do dinheiro vivo, o cheque foi o segundo meio de pagamento mais importante no país nas décadas de 1980 e 1990, lembra Boanerges Ramos Freire, da consultoria Boanerges & Cia, especializada em varejo financeiro. Hoje, o cheque deixou de ser relevante e os cartões eliminaram vários de seus riscos, como a devolução por falta de fundos, assinatura que não bate e perda.
O cheque tornou-se um instrumento muito popular de pagamento à vista no passado. E, com a criatividade do brasileiro, que criou o pré-datado, tornou-se um canal de crédito, numa época em que a oferta era mais escassa. Hoje, está caindo em desuso e representa apenas 2% do valor gasto no consumo privado. Na década de 1990, representou 30%, mesma fatia que os cartões representam hoje — diz Freire, que estima que, em dez anos, o cheque representará só 0,4%.
O especialista lembra que o cheque chegou a se tornar praticamente um papel moeda no país. Era comum que comerciantes repassassem os cheques de seus clientes para fazer compras com fornecedores. Estes, por sua vez, os repassavam à indústria.
Era um processo informal, sem registro tributário e com baixo controle — diz Freire
Rabi, da Serasa, observa que o uso dos cheques para pagamentos de pequenos valores cresceu durante a hiperinflação dos anos 80 e foi incorporado ao hábito do brasileiro.
As pessoas deixavam o dinheiro aplicado no overnight, para evitar a desvalorização, passavam cheques pré-datados, e os bancos baixavam os recursos da aplicação automaticamente para compensar — explica Rabi.
PRÉ-DATADO PARA EXTENSÃO DO SALÁRIO
Uma pesquisa inédita do SPC Brasil mostra que, hoje, só 8% dos brasileiros usam o cheque pré-datado. O levantamento revelou que o pré-datado é usado para comprar alimentos (34%), material de construção (20%) e móveis (18%).
A compra de alimentos com pré-datado mostra que as pessoas ainda usam o cheque como extensão do salário. Isso revela que não ajustaram seu orçamento. O uso do pré-datado para compras frequentes de curto prazo é um mau hábito — observa Marcela Kawauti, economista do SPC Brasil.
Dados da Serasa Experian mostram que a inadimplência com cheques, historicamente, fica em 2%, na média. No primeiro semestre deste ano, ficou em 2,13% em relação ao total de cheques compensados — inferior ao do mesmo período de 2016, quando o índice foi de 2,41%. Mas, em alguns estados do Norte do país, esse índice pula para dois dígitos. No Amapá, em junho, chegou a 12,60%. Em Roraima, foi 11,12% e, no Acre, 6,43%.
São estados onde a renda da população é menor do que em outras regiões, o que eleva a inadimplência. Além disso, são locais com menos canais digitais para operações bancárias, e o cheque acaba sendo mais utilizado — diz Rabi.