12/07/2017 - ´Maquininha´ de cartão vira alvo de disputa
VoltarPor Adriana Mattos
Uma investigação sigilosa iniciada há um ano pelos maiores fabricantes de terminais de pagamento do país contra um competidor - envolvendo contratação de peritos e análises de produtos - foi parar em novembro na Suframa, a superintendência da Zona Franca de Manaus. Oito meses após a autarquia entrar no caso, cresceu a pressão para avanço da investigação, agora com envolvimento da Receita Federal e acompanhamento do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio (MDIC).
Segundo apurou o Valor, a investigação do caso partiu de um grupo de empresas do setor eletrônico - Verifone, Flex (ex-Flextronics), Gemalto, Sierra Wireless, Jabil e Ingenico - em relação a supostas irregularidades na produção por parte da Transire, fabricante brasileira de terminais de pagamento de cartões (chamadas "maquininhas" de cartão), com unidade na Zona Franca de Manaus (ZFM).
As empresas contrataram peritos para análise de "maquininhas" da Transire no ano passado, elaboraram um relatório para embasar a denúncia e acionaram a Abinee, associação do setor eletrônico. Em novembro, a entidade decidiu avançar com o caso, contatou a Suframa em dezembro e encaminhou ofício solicitando verificação do cumprimento de normas que regem a produção na ZFM pela Transire.
A empresa brasileira concorre diretamente com a americana Verifone e com a francesa Ingenico, as duas maiores empresas estrangeiras do setor no país.
As companhias alegam que a Transire importa módulos de comunicação dos terminais da China num volume superior ao permitido pelas normas do Processo Produtivo Básico (PPB), que reúne contrapartidas que precisam ser seguidas por empresas que usufruem dos benefícios fiscais da zona franca.
Pelo PPB, 90% dos módulos usados na produção dos terminais precisam ser nacionais e a Transire, informou a Abinee à Suframa, teria importado da China um volume acima do permitido. Para isso, foram usadas pela associação informações do sistema Alice, do Ministério do Desenvolvimento, que reúnem dados de comércio exterior das empresas importadoras por insumo.
Em documentos encaminhados à superintendência dias atrás, a Transire rebate as informações da Abinee mencionando diferenças em relação às classificações do item importado. Argumenta que tem trazido ao país circuitos eletrônicos integrados, que são insumos que não teriam essa limitação de 90%, diz uma fonte.
A primeira movimentação no caso ocorreu logo após a chegada do ofício da Abinee na Suframa. Em dezembro, a autarquia fez uma vistoria na unidade da Transire na zona franca, sem detalhar razões.
Em abril, sem retorno da superintendência, as empresas associadas à Abinee contataram assessores do Ministério do Desenvolvimento, ao qual a Suframa é ligada, para informar sobre o caso, e dias depois, funcionários da pasta ligaram no comando da Suframa solicitando atualização sobre a questão.
Há duas semanas - portanto, sete meses após a vistoria na Transire - a Suframa, então, encaminhou documentação à companhia solicitando mais explicações sobre o processo produtivo das "maquininhas". A autarquia sinalizou que teria encontrado situação irregular na unidade, apurou o Valor com fonte que teve acesso ao material.
De posse das perguntas, a empresa respondeu alegando que não ultrapassou limites de importação definidos no PPB e que os insumos importados em maior volume não correspondem aos módulos de comunicação. Diz ainda que entende que, pelas perguntas feitas, a Suframa já teria tomado decisão no caso, e espera oportunidade para esclarecer as dúvidas direta na autarquia.
Em nota ao Valor, a Transire afirma que conseguiu "de forma arrojada e inovadora", vender maquininhas mais simples para um volume maior de clientes, e isso incomodou os concorrentes.
"A democratização promovida por esta empresa nacional, promovendo o acesso de novos consumidores ao segmento de meios de pagamento, parcela do mercado que era, até então, desprezada pela concorrência, fez com que a Transire passasse a ser violenta e constantemente atacada pelos que não tiveram o ímpeto, a visão e envolvimento social de democratizar tal ramo do mercado nacional", declarou a empresa em comunicado.
Segundo a companhia, a opção pela produção em Manaus teve por objetivo beneficiar-se dos incentivos fiscais da região, "sem desconhecer a multiplicidade de controles normativos governamentais aos quais estaria sujeita."
Ainda em maio, a Receita Federal também foi acionada e recebeu pedido de análise por parte da Abinee, alegando fraude no sistema de benefícios concedidos à Transire. A Receita informou em nota que a definição se serão abertos "procedimentos de fiscalização" está coberta por sigilo fiscal, "razão pela qual a RFB não emitirá juízo de valor sobre as declarações prestadas pela Abinee". Caso seja comprovada a irregularidade, a empresa precisa pagar impostos relativos ao período em que não cumpriu com a legislação.
Em meio a esse processo, houve mudança no comando da Suframa. Em 24 de maio, Rebecca Garcia, ex-deputada federal (PP) foi exonerada do cargo. O engenheiro Appio da Silva Tolentino foi nomeado há 50 dias. O Valor apurou que foi cerca de um mês após a entrada de Tolentino na função que a Transire recebeu os primeiros questionamentos da Suframa, recebeu os primeiros questionamentos da Suframa, respondidos neste mês.
A Transire, assim como Verifone e Ingenico, fabrica terminais de pagamento vendidos a grandes grupos como Rede, Cielo, Stone, UOL, entre outros. Para associados da Abinee, esse é um mercado com venda anual de 800 mil a 1 milhão de "maquininhas", e a Transire teria chegado a atingir 70% de participação nas vendas em 2016. A Transire tem números diferentes: estima ser um mercado de 3 milhões de maquininhas, e vendeu 900 mil no ano passado, segundo fonte a par do assunto.
Procurada, a Abinee informa que "busca, por meio de seus pleitos, a garantia da legalidade e do estrito cumprimento da legislação, como forma de manter um ambiente isonômico" para as empresas. "Todas as vezes que acionada, diante de indícios de irregularidades na aplicação de PPB, a Abinee atua de forma fundamentada a fim de garantir o equilíbrio competitivo".
A Suframa informa, em nota, que está "averiguando a procedência da denúncia em relação à produção local do módulo de comunicação e encaminhará uma resposta à Abinee assim que o processo administrativo apuratório for finalizado". Informa ainda que segundo fiscalizações feitas especificamente neste ano, a Transire está cumprindo com toda a legislação.
Questionada se a Suframa tem prazo para concluir a investigação, iniciada sete meses atrás, a autarquia diz que não há previsão para a conclusão e que a apuração do caso começou em janeiro.
O Valor ainda procurou a Rede, Cielo e UOL, entre as principais compradoras de maquininhas no mercado, inclusive da Transire. Cielo e UOL não se manifestaram.
A Rede informa que uma empresa representada por sócios da Transire no país, a Pax Brasil, era um dos fornecedores da Rede. Mas a Pax transferiu a produção para Manaus, por meio da empresa Transire. "Dessa nova planta recebemos apenas 5,4 mil máquinas". E continua, em nota: "Obrigações referentes ao respeito às regras técnicas que regem a indústria são de responsabilidade do fornecedor, e o não cumprimento dessas regras pode acarretar em rescisão contratual."