11/10/2016 - Credenciadoras perdem espaço para bancos em taxas de cartões
VoltarPor Flavia Lima | De São Paulo | Valor Econômico
Uma fatia cada vez maior do valor gerado pela indústria de cartões tem ficado nas mãos dos bancos em detrimento das credenciadoras. Analistas reconhecem que essas empresas, as donas das maquininhas, têm se mexido para compensar eventuais perdas, mas dizem que o movimento pode, no médio prazo, mudar o jogo de forças dentro de um setor que tem passado por transformações relevantes.
A mudança na distribuição de receitas afeta a Rede, do Itaú, e a GetNet, do Santander, além de outras de menor porte. Mas o tema causa maior apreensão em relação à Cielo, empresa de capital aberto cujos controladores são Banco do Brasil e Bradesco. "Como fazer com que esse crescimento do valor na mão dos bancos não prejudique um minoritário da Cielo?", questiona um experiente analista para quem esse é um dos temas mais importantes no médio prazo.
Ao usar o cartão, a compra dispara a cobrança de algumas taxas para o lojista. A mais importante delas é a taxa de desconto (MDR, na sigla em inglês), cobrada do lojista pela dona da maquininha. Uma parte disso fica com as próprias credenciadoras e outra parte - a taxa de intercâmbio - é paga aos bancos emissores de cartões. Pela regra do jogo, quem estabelece o percentual que fica com os bancos são as bandeiras: Visa, Mastercard e Elo, com o objetivo de impulsionar a emissão de cartões.
Nos últimos anos, a fatia que fica com os bancos tem subido, respondendo a um movimento de sofisticação dos cartões emitidos. Ao mesmo tempo, a taxa total cobrada do lojista está em queda, especialmente em razão da concorrência entre as próprias credenciadoras, que desde o fim da exclusividade da Cielo com a Visa e da Redecard com Mastercard, em 2010, brigam para ganhar mercado.
Em relatório, o Credit Suisse indica que a taxa média cobrada de lojistas (o desconto) caiu de 1,58% em 2010 para 1,51% nas operações de débito. No crédito, caiu de 2,95% para 2,75%. Na divisão, no entanto, os bancos saem ganhando. Olhando só o crédito, da taxa média de 2,75%, 1,63% são do banco e os 1,12% restantes do adquirente. Há oito anos, da taxa de 2,96%, 1,35% ia para o banco e a credenciadora ficava com 1,61%.
São as bandeiras - Visa, Mastercard e Elo - que definem a taxa de intercâmbio a ser cobrada em cada tipo de cartão (básico, platinum etc.) e para cada tipo de estabelecimento, o que vale para todos os bancos. Quanto mais sofisticado o cartão, mais alta a taxa de intercâmbio.
Segundo o Credit Suisse, com base em dados do Banco Central (BC), os cartões do tipo premium representavam 3,7% do total no fim de 2008 e 11,2% no quarto trimestre de 2015; os intermediários eram 10,4% em 2008 e passaram a 16,6%; enquanto isso, os básicos caíram de 85,9% para 72,2% no período. A análise exclui a categoria "outros" e os cartões corporativos.
Flavio Yoshida, analista do Votorantim, reitera que, quanto mais premium o cartão, maior a taxa de intercâmbio paga aos bancos, sobrando menos espaço para as credenciadoras arbitrarem a sua parte. Embora o volume de transações tanto no crédito quanto no débito tenha sido atingido pelo desempenho econômico ruim, a tendência é de alta, diz. E isso pode compensar a redução de ganho com as taxas.
"O uso do cartão de crédito também tem espaço para crescer, então as coisas acabam se compensando. Ao mesmo tempo, quem tem [cartão] premium tende a gastar mais também, o que é positivo", diz o analista.
Para um executivo de uma credenciadora de cartões, o intercâmbio não precisaria obedecer a lógica do tipo de cartão emitido. "Nem todo país é assim", afirma. Segundo ele, há "ondas" de emissões de cartão mais sofisticados porque os bancos ganham com isso, o que é um ponto de atenção e "poderia ser revisto".
Para analistas, as credenciadoras buscaram outras fontes de receita para compensar ganhos menores com a taxa de desconto, como o aluguel de maquininha, que subiu muito nos últimos anos, e o pré-pagamento - a antecipação de recebíveis ao lojista. Segundo o BC, desde 2010 as despesas com aluguel de maquininhas subiram 65% (18% do custo médio de lojas que aceitam cartões).
Procurada pelo Valor, a Cielo afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que "encara as mudanças em curso na indústria brasileira de pagamentos eletrônicos como um movimento natural e esperado". A companhia disse ter se preparado para esse novo cenário, investindo em iniciativas para diversificar receitas e ter maior eficiência operacional. Como exemplo, mencionou a criação da Cateno, joint-venture com o Banco do Brasil que realiza o processamento das transações com cartões de débito e crédito da Ourocard.
O órgão regulador se mostra atento. Em depoimento ao Senado na semana passada, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, disse que está na agenda discutir questões ligadas à operação dos cartões, como taxas cobradas como percentuais nas vendas. Procurado, o BC informou não ter nada a acrescentar ao que foi dito no Senado.