19/09/2016 - Máquina de cartão sem tecla limita uso por deficiente visual
VoltarKelly Mantovani | Folha de S. Paulo
Pedir a alguém que digite a sua senha do cartão de crédito ao efetuar compras é algo impensável para a maioria das pessoas. Mas virou a única opção para uma parcela dos 7,3 milhões de brasileiros com deficiência visual.
A queixa mais frequente é a dificuldade de saber se o valor digitado pelo caixa do estabelecimento está correto. As máquinas de cartão não contam com sistemas de audiodescrição nem com entrada para fones de ouvido.
A funcionária pública Maria Lúcia Nascimento, 50, cega desde que nasceu, recebeu uma cobrança de R$ 720 no salão de beleza, em vez dos R$ 72 efetivamente gastos. A descoberta veio com a fatura.
"No trabalho, sempre chamo um colega para olhar [o valor da compra] quando almoço fora. Guardo o comprovante até a fatura seguinte à compra", diz Nascimento.
Outro problema são as máquinas touchscreen, com tela sensível ao toque como os telefones celulares mais modernos. Esse modelo não tem teclado com relevo que permita aos cegos digitar a senha de forma segura. Na máquina tradicional, marcações na tecla 5 ajudam a localizar os números na hora de digitar.
Estima-se que as máquinas touchscreen representem hoje menos de 5% das 4,4 milhões de máquinas na praça.
A ouvidora Jucilene Braga, 35, cega desde os cinco anos, precisou passar a senha para um desconhecido na hora de pagar uma corrida de táxi porque a máquina era touchscreen. Desde então, Braga chama os motoristas só por aplicativo e escolhe a opção de pagamento pelo celular.
Alberto Pereira, assessor de acessibilidade da Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual), afirma que estão em estudo soluções para contornar o problema.
A alternativa em estudo é uma película, parecida com a usada para proteger telas de smartphones. A camada teria relevo nos principais "botões" para permitir a digitação de senhas. No entanto, não há previsão de chegada da solução ao mercado.
A Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito) informa ter um grupo de trabalho com 15 representantes de empresas associadas, entre elas Cielo, Rede, PagSeguro e Getnet, em busca de soluções para pessoas com deficiência visual.
Além da película, o grupo discute a inclusão de saídas para fones de ouvido e programas para audiodescrição. O prazo de implementação discutido é de três a cinco anos.
Cielo, Rede, Getnet, e PagSeguro, as principais empresas desse mercado, dizem que acompanham o tema com atenção para atender às necessidades dos clientes. A Cielo afirmou que dá prioridade à questão de acessibilidade.
A PagSeguro, que pertence ao UOL, empresa do grupo Folha, informou que há diversos projetos em teste para apresentar soluções que melhorem a interação dos deficientes visuais com os terminais de pagamento.