22/02/2016 - "A alta do dólar cria oportunidades fantásticas"
VoltarPor Hugo Cilo | IstoÉ Dinheiro
Nos últimos anos, o sobe-e-desce do real frente ao dólar se mostrou um termômetro fiel do ambiente da economia. Quando tudo parecia bem, imediatamente a moeda americana caía. Quando a situação piorava, o dólar subia. A julgar pelo horizonte pouco promissor para a atividade econômica, a atual cotação na casa de R$ 4 veio para ficar. Para o presidente da Visa para a região da América Latina e Caribe, o mexicano Eduardo Coello, embora represente um problema para muitas empresas, a desvalorização do real é uma chance para aumentar a competitividade da indústria e turbinar o turismo. “O Brasil precisa, urgentemente, ser mais competitivo”, afirmou o executivo. Acompanhe, a seguir, sua entrevista:
DINHEIRO – O sr. conseguia enxergar, anos atrás, que a crise atingiria o Brasil de forma tão rápida e que seria tão aguda?
EDUARDO COELLO – Não. Seria difícil prever. Todo economista costuma fazer previsões, mas dificilmente acerta.
DINHEIRO – Como as empresas devem agir em tempos difíceis como atualmente?
COELLO – Em tempos de crise, as empresas precisam estar mais perto de seus clientes, entender as necessidades do mercado e melhorar os resultados, mesmo aqueles que já estão bons. Trata-se da busca constante pela eficiência. Não posso te revelar cifras, mas posso garantir que, neste ano de crise, a Visa vai investir o maior volume de sua história no Brasil. Não podemos acreditar que está tudo perdido em um mercado com duzentos milhões de habitantes. Em nosso mercado, esse potencial é ainda mais evidente. No Brasil mais de 30% dos pagamentos são realizados por meio de cartões de crédito e débito, e ainda há muito potencial para crescer.
DINHEIRO – Em sua opinião, quanto tempo a crise vai durar?
COELLO – É difícil prever a duração da crise, mas é possível enxergar algumas oportunidades que as dificuldades econômicas estão trazendo. Digo isso porque meu país, o México, viveu uma situação semelhante alguns anos atrás. Existem dois grandes pontos a serem avaliados. O primeiro ponto é que o dólar caro é uma chance para a indústria, enfim, melhorar sua competitividade e eficiência. O Brasil precisa, urgentemente, ser mais competitivo. Quando as empresas começam a exportar, são obrigadas a nivelar por cima sua qualidade. O segundo ponto é o turismo. O Brasil não aproveita todo seu potencial turístico por falta de infraestrutura e investimento na criação de polos turísticos.
DINHEIRO – Mas fortalecer o turismo leva tempo...
COELLO – Sim, mas é preciso começar. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o México aproveitou a crise local e a desvalorização da moeda para investir fortemente no turismo. Deu certo. Esse foi um dos motores da recuperação do país. Em qualquer parte do México, hoje em dia, a infraestrutura turística é fantástica, com serviços muito melhores do que os de antigamente. Durante muitos anos, mais de 90% dos turistas eram do próprio México.
DINHEIRO – O dólar tem feito esse trabalho...
COELLO – O dólar mais caro estimula, mas é fundamental enxergar as mudanças desse setor, que vão além da questão dos custos. Os jovens das novas gerações, principalmente os ‘millennials’, não gostam de ser chamados de turistas. Eles gostam de ser chamados de visitantes que querem ter experiência local. Esse perfil de viajante quer provar a culinária local nos mesmos lugares que a população come, quer visitar locais que não são visitados por todos, quer dançar um pouquinho cada tipo de música regional. Ou seja, o Brasil tem um potencial gigantesco de atrair esse novo turista, dada a riqueza cultural e a dimensão continental de seu território.
DINHEIRO – O turismo no Brasil já é forte...
COELLO – Não como poderia ser. Com a alta do dólar, muitos brasileiros estão viajando internamente, deixando de passar as férias na Europa ou nos Estados Unidos. Isso cria oportunidades fantásticas para o setor, fazendo com que o turismo se torne uma indústria cada vez mais representativa na economia nacional. Além disso, o Brasil ficou barato para o turista estrangeiro. Como termômetro eu tenho os dados da Visa, que mostram que os gastos com cartões de crédito de visitantes de fora cresceram mais de 50% nas últimas semanas. Imagine o crescimento durante os Jogos Olímpicos
DINHEIRO – A crise no Brasil está acelerando ou prejudicando o mercado de cartões de crédito e os meios eletrônicos?
COELLO – Não posso afirmar que a crise é boa ou ruim. Acho que a melhor forma de enxergar os efeitos da crise é sabendo que ela traz desafios para vários modelos de negócios. Os empresários precisam encontrar formas de vender mais, gastando menos. Antes da recessão, alguns lojistas olhavam as maquininhas de cartão e só enxergavam um custo a mais. Hoje eles olham para os mesmos aparelhos enxergam uma forma de vender mais e ampliar suas margens. A crise traz a necessidade de mais eficiência para muitos segmentos da economia e antigos modelos de negócios.
DINHEIRO – Quais são esses segmentos da economia?
COELLO – Existem vários. Mas posso citar o impacto do Uber e dos aplicativos como EasyTaxi e 99Taxis na vida dos taxistas. Grande parte dos pagamentos por corridas são feitos por meio eletrônico, diretamente no aplicativo. O taxista que não aceita cartão ou não utiliza o aplicativo perde cliente.
DINHEIRO – Como a empresa está acompanhando a evolução do mercado?
COELLO – Estamos investindo em várias tecnologias. Nos Estados Unidos já estamos utilizando algumas delas, como a que identifica que um cliente da Visa que está em um carro da Uber gosta de tomar café. Com isso, conseguimos indicar para esse cliente uma ótima cafeteria que está na rota que ele marcou ou que uma loja que ele costuma comprar está com uma promoção. Detalhe: o consumidor não precisa pagar pelo café. O valor estará incluído no recibo do Uber.
DINHEIRO – O rigor maior dos bancos na concessão de crédito está afetando o setor de cartões?
COELLO – Sim, reduz a velocidade do crescimento. Os bancos, obviamente, estão mais criteriosos na avaliação do risco dos clientes. Temos visto, em razão disso, que a utilização dos cartões de débito está crescendo mais.
DINHEIRO – A popularização dos meios eletrônicos é uma ameaça ao futuro da Visa?
COELLO – Em um primeiro momento, esse crescimento dos meios eletrônicos de pagamento é um aliado ao negócio da Visa e de outras bandeiras. Nosso desafio diário é conseguir acompanhar todas essas novas tecnologias e continuar oferecendo algo relevante e de valor a nossos clientes. Se não conseguimos acompanhar as transformações e pararmos de inovar, ficamos fora do jogo.
DINHEIRO – Diante da necessidade de aumentar a arrecadação de impostos e reduzir a sonegação, existe algum estímulo do governo brasileiro para ampliar a utilização dos meios eletrônicos?
COELLO – Diretamente, não. Mas já existem em alguns países vizinhos. O Uruguai é, atualmente, o modelo mais bem sucedido da América Latina. Por iniciativa do governo, todo consumidor que pagar com cartão de débito recebe imediatamente um desconto de 4% no preço final. O Uruguai tem um modelo muito bom para reduzir a informalidade na economia, algo que poderia ser facilmente adotado pelo governo brasileiro. Já com pagamentos em crédito, o desconto é de 2%.
DINHEIRO – É como o governo do Estado de São Paulo faz com o Nota Fiscal Paulista?
COELLO – No caso do Uruguai, o regresso do imposto é mais simples. No mesmo voucher do pagamento com o cartão, você passa 100, mas só desconta 96 de sua conta corrente. Ninguém ainda desenvolveu algo com tanta rapidez e simplicidade. Depois que o Uruguai implementou este sistema, as transações da Visa no país dispararam 300%. Não sei qual foi o resultado disso para as finanças do governo, mas sei que o sistema já está no azul. O aumento da arrecadação com imposto cobre os bônus pagos aos consumidores e ainda sobra.
DINHEIRO – A sonegação caiu?
COELLO – Não conheço os detalhes. Mas é fato que as ações de combate à sonegação só funcionam quando o consumidor assume o papel de agente fiscal. Em alguns países da Europa, como na Itália, está proibido pagar com dinheiro serviços prestados por profissionais liberais. Qualquer pagamento acima de cem euros a um médico, a um arquiteto ou a advogado, por exemplo, precisa ser por meio eletrônico, ou por cartão ou transferência bancária..
DINHEIRO – Mas os Estados estão implementando sistemas que ajudam a reduzir a sonegação no Brasil...
COELLO – Sim, mas os meios eletrônicos são ainda mais eficientes para isso. Muitos profissionais liberais fazem parte daquilo que chamamos de economia subterrânea, que é diferente da economia informal. A informal é aquela pessoa que não está registrada em carteira de trabalho, para ter seus impostos retidos na fonte. A subterrânea é aquela em que os profissionais são legalizados e formalizados, mas declaram um faturamento abaixo do valor real para pagar menos impostos. Digamos, um meio sonegador. Esse é o perfil de uma grande parcela dos profissionais independentes.
DINHEIRO – Essas políticas não são mais difíceis de funcionar em países nos quais a corrupção é cultural e epidêmica, como Brasil e México? Sempre haverá um jeito de driblar o pagamento de impostos...
COELLO – Sim. Mas por isso que o exemplo do Uruguai deve ser replicado. Em termos de consumo, a cultura uruguaia não é tão diferente da cultura brasileira ou da mexicana. Já o exemplo da Itália talvez esbarrasse em alguns obstáculos culturais por aqui. Mas o fato é que, quando você paga imposto de forma correta e honesta, quer que todos a sua volta façam o mesmo. Quando você recolhe seus impostos, não aceita que um lojista venda sem nota ou que coloque um valor menor do que o real só para recolher menos tributos.
DINHEIRO – Então quanto mais honesto o consumidor, mais ele vai utilizar o cartão?
COELLO – Não existe receita mágica para aumentar a arrecadação e formalizar um país inteiro da noite para o dia. Mas o efeito multiplicador da honestidade faz com que, em pouco tempo, todos entendam que a sonegação não faz mal apenas ao governo, mas para toda a economia. Em alguns países mais evoluídos, como os países nórdicos, as leis estão mudando rapidamente nesse sentido. Vou dar um exemplo. Lá, qualquer comércio é obrigado a aceitar todas as bandeiras de cartão existentes no mercado, mas não é obrigado a aceitar dinheiro. Ou seja, os papéis se inverteram.
DINHEIRO – Mas isso é ruim para os consumidores...
COELLO – Pode ser estranho para os clientes no início, mas logo todos se acostumam. Não soube de ninguém lá que reclamou. Mas, sob a ótica dos negócios, essa decisão ajudou a reduzir custos. Isso porque aceitar dinheiro em papel significa ter de contratar alguém para ir ao banco depositar, ou deixar o estabelecimento para ir ao banco. Perde-se tempo, perde-se dinheiro.