12/02/2016 - Quantos bilhões Bradesco e BB têm de culpa no naufrágio da Cielo na Bolsa?
VoltarPor Paula Barra | São Paulo | InfoMoney
Uma derrocada de quase 40% do topo de julho do ano passado até agora marca a mudança de "status" da Cielo, que vem deixando de ser um dos poucos "portos seguros" da Bolsa para uma empresa com horizonte bastante nebuloso. A explicação para essa metamorfose vem por duas novidades que ficaram evidentes nos últimos dias: os rumores de compra da concorrente Elavon pelos seus dois principais sócios - Bradesco e Banco do Brasil - e os temores de que os bancos sejam ainda mais "rígidos" com as prestadoras de serviço.
Os rumores de que o Banco do Brasil e Bradesco - principais sócios da Cielo - estariam interessados em comprar a fatia de 49% que o Citi detém na americana Elavon começaram a circular em janeiro deste ano, mas ganharam força no fim da semana passada, com notícias de que as conversas já estariam fase avançada. De lá até a última quinta-feira (11) - ou seja, 3 pregões -, os papéis da Cielo caíram 13,5%, sendo que somente ontem registraram uma queda de 7,9%, no seu pior dia na Bolsa desde 2012 e renovando mínima desde março de 2014.
Embora a Elavon tenha apenas entre 1 e 2% do mercado de adquirência de cartões no Brasil, a empresa tem um produto mais simples e barato, o que poderia ser usado como uma marca de combate. A consolidação se daria em um momento em que o cenário prolongado de fraca atividade econômica pôs fim a um ciclo de expansão acelerada dos meios eletrônicos de pagamento no Brasil, que tem levado o setor a oferecer maiores descontos nas taxas cobradas de lojistas em busca de manutenção do market share.
Um vento favorável, no entanto, surgiu ontem à noite, após notícia da Bloomberg de que o Bradesco e o Banco do Brasil desistiram da operação. Segundo fontes ouvidas pela agência, a desistência ocorre depois que os reguladores antitruste sinalizarem que iriam impor restrições antes de aprovar o negócio, o que, para uma das fontes, não faria sentido para os bancos. Bradesco e BB não quiseram comentar.
Em reação, a ações da credenciadora de cartões dispararam 7% na abertura do pregão desta sexta-feira (12), mas perderam um pouco de força em meio às dúvidas que ainda residem sobre a empresa. Às 14h30 (horário de Brasília), os papéis subiam 4,23%, a R$ 29,29.
A questão é que o temor em relação às ações da Cielo não está somente no aumento da concorrência. Após a divulgação do balanço do 4º trimestre da Cielo e do Bradesco, ficou cada vez mais nítida a percepção de que o turbulento cenário da economia brasileira que pode levar os bancos a serem mais "duros" com as prestadoras de serviços - não apenas Cielo, como as empresas de programas de milhagens Multiplus (MPLU3) e Smiles (SMLE3). "Neste momento, eu acho muito perigoso se expor a qualquer ação ligada a bancos", disse James Gulbrandsen, sócio e chefe de investimentos da NCH Brasil, em entrevista ao InfoMoney.
Para Gulbrandsen, a grande conclusão sobre Cielo é que a empresa ainda é boa, mas não é mais a mesma de dois anos atrás. "A Cielo diversificou bastante seus negócios nos últimos períodos, como se ela mesma tivesse confessando que um dia sofreria pressão nas taxas cobradas por lojistas - chamadas de MDR (Merchant Discount Rate). Agora, está chegando esse momento", conclui.
A MDR é aquele percentual que os lojistas pagam à empresa para que seus clientes possam usar cartões de crédito e débito. Essa taxa, a grosso modo, é dividida em três partes não iguais: uma vai para a bandeira do cartão, outra para o banco emissor do cartão e a terceira para a Cielo, no caso.
O problema hoje consiste em saber se essa divisão será mantida. Uma dúvida que aumentou no dia 28 de janeiro por conta das notas explicativas apresentadas pelo Bradesco do seu resultado do 4º trimestre. O banco afirmou que recebeu da Cielo em 2015 pagamentos quase três vezes maiores do que no ano anterior. No mesmo dia, o CEO da Cielo, Rômulo Dias, esclareceu aos investidores que o aumento foi da ordem de 50%, justificando o aumento ao fato do Bradesco ter batido suas metas. Ainda assim, o mercado não comprou o discurso, prevalecendo a impressão de que o banco exigiu maior parte no bolo.
Para Gulbranden, o risco é generalizado para as companhias que prestam serviços ou que estão no radar dos bancos, porque eles estão com margens mais apertadas e procurando economizar em todas as linhas de operação. Esse cenário se intensificava com a compra da Elavon, que agora parece mais distante, mas ainda assim não suficiente para levar a ação da Cielo de volta aos patamares de julho do ano passado - quando estavam na sua máxima histórica (R$ 45,61, no fechamento do dia 22 de julho).
A Cielo vem fazendo o que pode para tentar acalmar o mercado. Em reunião com analistas e gestores semana passada, a companhia não quis passar o guidance da MDR, mas enfatizou que enxerga a taxa estável este ano, disse ao InfoMoney um gestor que participou mas pediu anonimato. A Cielo falou que os contratos com o Bradesco e BB para 2016 já foram fechados e não teria aumento, mas, por enquanto, esse gestor não vê motivo para acreditar nisso.
A conclusão sobre todo este movimento de queda é que o mercado já acreditava que os bancos poderiam estar apertando mais nas negociações com as credenciadoras e, com o surgimento da possível compra da Elavon pela dupla Bradesco-BB, a Cielo praticamente naufragou na Bovespa. "Essa notícia contribuiu para aumentar ainda mais o receio da relação entre os bancos e a Cielo. Para piorar, teve o balanço do 4° trimestre, que veio abaixo do que esperado, elevando ainda mais as incertezas sobre o case", disse um outro gestor.
Consenso das recomendações ainda é compra; mas até quando?
As opiniões dos analistas de grandes de investimento, no entanto, ainda são unânimes sobre a compra de CIEL3, principalmente após rumores de que o negócio com a Elavon não irá acontecer. Nesta sexta-feira, um relatório do Credit Suisse divulgado aos clientes reiterava a recomendação de compra na ação, com preço-alvo de R$ 39,00 por papel - o garante um "up side" (potencial de valorização) de quase 30% sobre o preço atual.
Para o Credit, a recente queda do papel abriu uma oportunidade de compra, e atribui isso a uma conta interessante: desde quando começaram a pipocar notícias de compra da Elavon, a Cielo perdeu R$ 12,5 bilhões em valor de mercado. Ou seja, 57,3% disso teria que ser usado para a compra da Elavon para justificar a queda e, caso fosse isso, a transação traria extrema diluição. Não vendo sentido na operação - que foi reforçada pela notícia da Bloomberg -, os analistas do banco acreditam que a Cielo tem potencial de recuperar os R$ 33 recentemente perdidos na Bolsa.
Mesma posição ainda mantém o JPMorgan, que reiterou hoje recomendação overweight (desempenho acima da média) para a ação, com preço-alvo de R$ 40,00. Contudo, embora eles enxerguem a queda recente como um bom ponto de entrada no papel, os analistas do banco americano destacam as preocupações sobre a governança corporativa da Cielo, que aumentaram nos últimos dias após o balanço do Bradesco trazer aquele drástico aumento nos pagamentos de MDR.
Para finalizar o coro de "compra", uma opinião um tanto inusitada: o Bradesco BBI (banco de investimentos do Bradesco) lançou um relatório na última quinta-feira (11) elevando a ação da Cielo para outperform, o que não era feito desde março de 2012, colocando preço-alvo em R$ 37. Eles apontam a análise do múltiplo P/L (Preço/Lucro) para justificar o valuation fortemente descontado: o indicador despencou de 20x para os atuais 12,7x, menor patamar desde 2012. É fato que as operações do banco de investimentos do Bradesco precisam ser separadas da matriz, mas é curioso ver os analistas do "sell side" do Bradesco recomendarem a compra de uma ação que despencou justamente por duas notícias que tiveram o próprio Bradesco como "pivô" da história.