Museu do Cartão de Crédito

19/12/2015 - Diferenciações entre os preços à vista e a prazo

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Por Fernando Nogueira da Costa Valor Econômico 

Ao analisar um recurso da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte contra o Procon-MG, o relator da causa entendeu que "o cartão de crédito também é uma modalidade de pagamento à vista, uma vez que a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelo pagamento". Seria descabida qualquer diferenciação entre preços à vista e a prazo. Em outras palavras, "lojista não pode dar desconto para pagamento em dinheiro".

Esse argumento jurídico configura, em ciência econômica, uma contradição em seus próprios termos. Ora, o crédito (pré-compromissado por meio de cartões) é um transação em que o comprador, investido de confiabilidade pela loja credora, adquire um bem ou serviço que irá pagar em uma ou mais parcelas, durante tempo determinado por aquela.

Baseado nos princípios das Finanças, aquele argumento é falso. "Tempo é dinheiro". Isto significa que o mesmo valor nominal pago no fim do "período de graça" - até 40 dias no modelo brasileiro de cartões de crédito - vale menos. Há custo de oportunidade seja pela perda de juro para remunerá-lo durante esse prazo, seja pela corrosão inflacionária de seu poder aquisitivo.

Mas a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que "os lojistas não podem conceder desconto para pagamento em dinheiro ou cheque e, assim, restringir o uso de cartão de crédito". Os ministros consideraram que a discriminação de preços seria uma "infração à ordem econômica", com base na Lei nº 12.529, de 2011. De acordo com o art. 36  da Lei de Defesa da Concorrência, item X, não se pode "discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços".

Não há irregularidade em conceder descontos para consumidores de diferentes perfis. Por exemplo, são concedidos descontos a professores em cinemas e livrarias já que eles aumentam a escala de vendas. Diferenciar os preços para os perfis dos consumidores "sem cartões" ou "com dinheiro" levaria os lojistas a ampliar vendas sem incorrerem nos custos dtransação com os cartões.

"Preços mais elevados" não é a mesma coisa que "preços em elevação". O primeiro fenômeno implica custo de vida mais alto. O último implica processo contínuo de perda do poder aquisitivo da sociedade. Isto é o que se entende, convencionalmente, por inflação. No Brasil, além de ter inflação, os preços no comércio varejista estão, de maneira geral, inflados, porque os custos com os cartões de pagamento são repassados em todos os preços, seja à vista, seja a prazo. Os consumidores mesmo sem se utilizarem de cartão de crédito não conseguem pagar preço menor à vista.

O total de cartões de crédito, débito e lojistas ultrapassa já 900 milhões, dando uma média de 6 para cada pessoa da população em idade ativa. É meio de pagamento utilizado para 31% do total de gastos em consumo. O problema é que a oferta usual por parte dos vendedores de "preço à vista igual ao preço parcelado sem juros no cartão", praticamente obriga os consumidores a sustentarem toda a estrutura de adiantamento de recebíveis e crédito rotativo.

Com muitos cartões e parcelamentos, cerca de 30% perdem o controle das finanças pessoais, não pagando a fatura na "data de aniversário". Entre estes, 40% ficam inadimplentes no crédito rotativo. Por causa disso, os adimplentes pagam juros médios de 414,3% ao ano, sendo que há banco que cobra 797%!

No modelo brasileiro de cartões, diferentemente do que ocorre em outros países, o consumidor é "forçado", comportando-se racionalmente, a comprar a prazo, seja porque o preço único é dividido igualmente em várias "prestações sem juros", seja por causa da oportunidade do "período de graça" - até 40 dias. Seria melhor o fim desse prazo "gratuito" sem pagar juros correspondentes à compra a prazo, desde que pagasse "juro civilizado" - não extorsivo - a partir do dia seguinte ao da compra, pois o custo de oportunidade desse "benefício" também é precificado.

Outra mudança necessária para baixar os juros dos cartões de crédito seria revogação da proibição do Código de Defesa do Consumidor de fazer diferenciação de preços em "com cartão" e "sem cartão", ou seja, à vista e a prazo. Deveria pelo menos autorizar, se não for o caso de obrigar, os comerciantes a cobrarem preços diferenciados para pagamento com ou sem cartão de crédito.

Essa autorização seria positiva por evitar subsídios cruzados entre portadores e não portadores de cartão. Esses subsídios cruzados ocorrem quando é feito o repasse de todos os custos dos estabelecimentos com a venda a prazo (a taxa de desconto - uma proporção do valor da venda -, que embute também a tarifa de intercâmbio dos credenciadores, o custde oportunidade e/ou o custo com adiantamento de recebíveis) para os preços finais, inclusive à vista. Estes preços inflados são, então, justos para os portadores de cartão de crédito, mas injustos para os consumidores sem acesso aos cartões.

Em "mercados de dois lados", como é o dos cartões, além do preço do produto, a demanda depende também de como o custo é repartido entre os consumidores finais. É tal como ocorre em boates. Tem maior clientela a que cobrar menos das mulheres. A loja que cobrar menos dos "sem cartões" também venderá mais.

Isso é contrário ao argumento de que a diferenciação de preços tornaria o uso de cartão de crédito menos atrativo para os consumidores. Pela externalidade da rede, havendo menos consumidores, menos lojistas se interessariam em se manter no sistema, com encolhimento prejudicial para todos seus participantes. Entretanto, esse argumento é falseado pelas atrações de comprar a prazo, desde que se pague um juro razoável, ganhar prêmio pela fidelização ao seu uso consciente, e obter a segurança dos cartões como meios de pagamento.

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do IE-Unicamp. Autor do livro "Brasil dos Bancos" (Edusp, 2012). fernandonogueiracosta@gmail.com.

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