18/08/2015 - Empresa faz consultoria a partir de cartão
VoltarPor Aline Oyamada | De São Paulo | Valor Econômico
Você acorda, toma café na padaria, vai a um restaurante, abastece o carro no posto, faz compras no shopping e paga tudo no cartão. No fim do dia, sem perceber, contribuiu para um gigante banco de dados que será usado para analisar o comportamento dos consumidores e ajudar empresas e bancos a customizar serviços e produtos. Quem coleta os dados são as próprias bandeiras dos cartões e esse valioso conjunto de informações é utilizado para prestar serviços de consultoria a empresas, bancos e até governos.
No banco de dados não consta nome do portador do cartão, idade ou sequer o sexo. Mas, identificado por um código, cada cartão guarda um histórico de transações que revela os estabelecimentos que cada consumidor frequenta, quanto gasta com cada tipo de produto e serviço, com que periodicidade e em que região, entre outros dados relacionados ao perfil de consumo.
A MasterCard Advisors, braço de consultoria da MasterCard, oferece esse serviço a empresas, bancos e governos, sejam clientes do grupo ou não. A oferta é ampla: é possível contratar uma consultoria para entender como melhorar as vendas, montar uma ação de marketing específica, um programa de fidelidade customizado ou até comprar um conjunto de dados para auxiliar em decisões de investimento.
João Pedro Paro, presidente da MasterCard no Cone Sul da América Latina, afirma que oferecer o serviço de consultoria de meios de pagamento, que está presente no Brasil há 15 anos, ampliou a base de clientes da empresa. "Até outro dia, meus clientes eram basicamente os emissores de cartão e as credenciadoras. Agora, agregamos dois segmentos muito importantes: os estabelecimentos comerciais e os governos", diz.
Um estabelecimento comercial pode usar a consultoria para entender, por exemplo, como fidelizar melhor os clientes. É o que fizeram os Postos Ipiranga, que contrataram a MasterCard Advisors para avaliar uma ação que já estava em operação, o programa "Km de Vantagens", que oferece descontos e benefícios com empresas parcerias em troca de pontos acumulados ao abastecer nos postos da rede.
Cristiano Fontes, diretor da MasterCard Advisors, explica que, apesar do pacote de benefícios, muitos clientes ainda não tinham se fidelizado aos Postos Ipiranga e continuavam a gastar na concorrência com frequência. "Se você investiu em um programa e o concorrente está vendendo a mesma coisa, não está valendo a pena." A MasterCard, então, identificou em cerca de quatro meses, com base nos dados de consumo dos clientes dos Postos Ipiranga em outros estabelecimentos - sem identificá-los -, quais consumidores provavelmente poderiam ser fidelizados e quais não mudariam seu comportamento, porque não costumam se ater a uma marca só, por exemplo. "Não preciso fazer os esforços [de marketing] para 100% da base de clientes, vou fazer esforços diferentes para clientes diferentes", afirma Fontes.
O serviço de consultoria também pode ser prestado a governos, segundo Paro, com objetivos que vão de incentivar o turismo no país a montar um programa de inclusão financeira para determinada parte da população. "Posso saber, por exemplo, como é o comportamento dos turistas que vêm ao Brasil. Se eles vêm uma vez só, se passam em outros países antes ou depois, quanto gastam aqui comparado com o que gastam em outros países", afirma Paro. "Com esse dado, posso sentar no Ministério do Turismo e propor uma ação de marketing específica para um determinado grupo de turistas."
No Brasil, a MasterCard ainda não tem parceria com governos, mas está negociando possíveis ações. Segundo Paro, há uma iniciativa em andamento para montar um programa com o Sebrae em parceria com a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) para capacitar as pequenas e médias empresas a usar o meio de pagamento eletrônico.
Para enriquecer a base de dados, as bandeiras de cartão muitas vezes combinam suas informações com os dados dos clientes da consultoria, o que permite uma identificação ainda mais detalhada dos consumidores. A informação de um cliente não é usada para a consultoria de outro, respeitando regras de confidencialidade.
"Não coletamos dados individuais do detentor do cartão, só sabemos que tipo de compra esse cartão faz. Mas combinamos nossos dados com os que os bancos têm sobre seus correntistas, como nome e endereço, para obter diferentes ideias e ajudar nossos clientes a oferecer os serviços apropriados, fazer as promoções certas", diz Hasan Malik, vice-presidente global de consultoria da Visa. O braço consultivo da empresa, chamado Visa Performance Solutions, atende apenas clientes da bandeira, que são os bancos emissores, credenciadoras e lojistas.
O executivo da Visa conta que essa estratégia de combinação de dados é muito utilizada pelos bancos clientes para determinar que tipo de plano - do básico ao "premium" - oferecer a cada correntista. "Descobrimos que alguns consumidores que têm o produto básico viajam bastante, gastam nas viagens, compram em lojas de roupas mais caras. Então voltamos para o banco e mostramos uma lista de números de cartões que deveriam receber um 'upgrade' para um cartão mais premium, com benefícios", afirma Malik.