Museu do Cartão de Crédito

07/08/2015 - Fome de mercado

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Por: Natália Flach e Cláudio Gradilone | IstoÉ Dinheiro

O apetite inegável demonstrado pelo pastel da foto acima pelo administrador de empresas paulista Renato Rocha, diretor-executivo de negócios da Visa do Brasil, empalidece com relação à fome da empresa para abocanhar uma fatia de mercado até agora pouco explorada pelos meios de pagamento tradicionais: o dos pequenos comerciantes. DINHEIRO apurou que, no início de agosto, a Visa, associada à empresa de pagamentos alemã Payleven, vai iniciar as vendas de um cartão pré-pago destinado a pequenos comerciantes, em especial os que precisam de mobilidade para girar seus negócios.

É o caso dos feirantes, por exemplo. “O empresário usa o equipamento da Payleven, associado a um smartphone, para cobrar o comprador, e o pagamento será creditado no cartão, sem necessidade de uma conta bancária tradicional”, diz Rocha. O mercado potencial é tão apetitoso quanto o cardápio de uma barraca de pastéis. “Há 55 milhões de brasileiros com mais de 18 anos sem contas bancárias e pelo menos cinco milhões de micro empreendedores individuais”, diz a administradora de empresas paulista Adriana Barbosa, diretora-geral da Payleven no Brasil.

“Todos eles são usuários em potencial do nosso serviço.” A novidade, aqui, está justamente na independência dos bancos. Pela dinâmica tradicional, após o comprador digitar sua senha, a transação teria de passar pela empresa que credenciou a maquininha, ser autorizada pela administradora de cartão, e só então os recursos começariam sua lenta jornada para a conta bancária do vendedor – um processo que pode levar até 45 dias, dependendo do contrato. A demora garante que o dinheiro permaneça um bom tempo no caixa dos bancos, engordando os ganhos da tesouraria.

O lançamento abrevia essa última etapa. “Se tiver uma conta na Payleven, o comerciante pode ter os recursos creditados em seu cartão pré-pago em até dois dias”, diz Adriana. Para transações no cartão de débito, o comerciante paga 2,69% do valor de venda. No caso do cartão de crédito, a taxa sobe para 4,39%. Esses valores estão em linha com os da concorrência, mas o prazo é menor – e os custos totais também, pela inexistência de um relacionamento bancário. Os pagamentos independentes do dinheiro em espécie e do aparato tradicional já são comuns.

As transações por meio de smartphone movimentaram US$ 235 bilhões, no mundo, em 2014. Para os próximos três anos, a previsão é que esse valor triplique e bata na casa dos US$ 720 bilhões, segundo dados da consultoria americana Gartner. “Muitos clientes estão deixando de usar os sites dos bancos para recorrer aos serviços de mobile banking”, afirma Gustavo Fosse, diretor setorial de tecnologia bancária da Febraban. Os bancos, obviamente, não vão ficar parados e investem muito nos aplicativos para celular.

O Itaú, por exemplo, inspirou-se no serviço de mensagens WhatsApp para criar o Tokepag. Lançado hà um ano e meio, o aplicativo possibilita que os clientes transfiram dinheiro para contatos do celular que se cadastraram no serviço. A operação é simples: basta selecionar o contato, informar o valor, digitar a senha e enviar uma mensagem. O fato é que a maioria das iniciativas relevantes ainda depende do sistema financeiro. A concorrente mais visível da maquininha da Payleven, o terminal da PagSeguro, exige que o usuário tenha conta em banco.

Para ter acesso a uma processadora de transações tradicional, o comerciante teria de ter relações formais com um banco, CNPJ válido, pelo menos seis meses de relacionamento bancário e boa vontade do gerente. Ao tirar os bancos da jogada, a Payleven e a Visa abrem espaço para uma mudança potencialmente profunda no negócio de pagamentos. Esse processo está em linha com o que vem ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos. Um estudo recente da consultoria Bain & Company mostra que o rápido crescimento desses pagamentos é uma ameaça concreta para os resultados do sistema financeiro.

Segundo os britânicos Glen Williams e Karim Ahmad, sócios da Bain e autores do estudo, a nova fronteira da evolução dos pagamentos está nos pequenos comerciantes. “Os pagamentos por meio de celulares já são bastante populares entre os consumidores, especialmente os que têm smartphones”, diz Ahmad. Os varejistas de pequeno porte ainda estão presos aos mecanismos tradicionais, mas isso é uma questão de tempo, e a chave para abrir essa porta está na tecnologia. Williams avalia que, ao permitir o uso de recursos como códigos de identificação visuais, os chamados QR codes, para garantir a segurança de transações via celular, os comerciantes reduzem custos e ganham eficiência.

E, pela primeira vez, as novas soluções permitem pensar, a sério, em um processo de desintermediação financeira. “Os pagamentos por meio de telefones e tablets vêm crescendo a taxas de 77%, entre 2010 e 2015, e não há sinais de desaceleração no curto prazo”, diz o consultor. “E os mais propensos a aderir serão os pequenos comerciantes, mais sensíveis à redução de custos.” Rocha assina embaixo. “Acreditamos que a maior aceitação será nos segmentos em que o dinheiro ainda é o principal meio de pagamento, como entre os serviços de táxi e na revenda porta a porta”, diz.

Iniciativas como a da Payleven e da Visa só se tornaram possíveis porque, em novembro de 2013, o Banco Central regulamentou o setor, criando a figura do banco de pagamentos – uma empresa com liberdade suficiente para movimentar o dinheiro dos outros, mas fiscalizada o bastante para evitar que os recursos se percam nos bolsos do controlador. Como em todo negócio novo, ainda há vários pontos por esclarecer. No entanto, a possibilidade de poder movimentar dinheiro de maneira eletrônica sem depender de um banco pode ser o início de uma revolução nos pagamentos brasileiros.

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