22/10/2014 - Bancos avançam em cartões pré-pagos
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Raul Moreira, do Banco do Brasil: rentabilidade do pré-pago passa por economia com a redução de saques de correntistas e aumento da base de clientes
Por Felipe Marques | De São Paulo | Valor Econômico
"Vai ser débito, crédito ou parcelado?" A depender da indústria de cartões, e de alguns dos maiores bancos do país, a clássica pergunta do lojista sobre a forma de pagamento com cartão vai ganhar uma quarta alternativa no ano que vem: o pré-pago.
Com popularidade crescente nos Estados Unidos, os cartões pré-pagos parecem ter entrado definitivamente no radar dos grandes bancos brasileiros. Até as credenciadoras, responsáveis por aceitar o cartão no varejo, vão reformular a interface de suas maquininhas para dar mais evidência ao produto a partir do ano que vem.
No último mês, dois movimentos deixaram em evidência a disposição dos bancos em avançar no pré-pago. A Caixa Econômica Federal comprou 49% do capital da Vale Presente, emissora de cartões pré-pagos controlada indiretamente pelo empresário Carlos Roberto Wizard Martins. Em seguida, o Santander anunciou que está em negociações para a compra de uma participação na Super, também de pré-pagos, que tem 180 mil contas de usuários. Nos dois casos, as compras têm como objetivo dar aos bancos um ponto de partida para operar no segmento.
Tais movimentos mostram que a atenção dos bancos vai além dos cartões pré-pagos mais tradicionais, como o vale-refeição e alimentação (vouchers) ou os cartões de transporte (que substituíram a carta frete). Tem se manifestado em produtos pré-pagos que prometem ajudar a levar os bancos à baixa renda não-bancarizada. A dúvida, porém, é se tal aposta vai se provar rentável como tem sido no caso do cartão de crédito.
O setor de pré-pagos no Brasil deve movimentar um volume financeiro de R$ 100 bilhões em 2014, incluindo na conta os vouchers e os cartões de transporte, um crescimento de 20% na comparação anual. Os dados são do Grupo Setorial Pré-Pagos (GSPP), estimados pela Euromonitor.
Entre as instituições financeiras que não saíram às compras no segmento, o Banco do Brasil emitiu cerca de 2 milhões de pré-pagos de uso geral - que passam em qualquer lojista. No fim de 2014, espera contar com 2,5 milhões de cartões, movimentando cerca de R$ 1,2 bilhão. Entre os alvos estão os correntistas do banco, que já têm um cartão de crédito, mas que sacam dinheiro para pagar prestadores de serviço. O correntista poderia pedir a emissão de um cartão em nome do prestador.
"É um produto em que a rentabilidade precisa ser pensada de forma mais ampla, não só olhando o pré-pago", afirma Raul Moreira, diretor de cartões do BB. "É preciso considerar que traz mais base de clientes para o banco e que reduz os custos que temos com saques." A lógica é que o pré-pago ajuda a criar um histórico comportamental do cliente, e possibilita oferta de produtos financeiros mais complexos.
Além de pré-pagos de uso geral, ainda pouco difundidos, o BB tem cartões de transporte e divide com o Bradesco sociedade na Alelo, que emite vouchers e outras modalidades de pré-pagos. O banco tem ainda uma parceria com a Oi. Se somado todo este universo, o BB deve encerrar 2014 movimentando cerca de R$ 11 bilhões nos pré-pagos.
No Bradesco, parceiro do BB na Alelo, a aposta em pré-pagos de bancarização se concentra na joint venture do banco com a operadora de telefonia Claro. "A ativação do produto ainda é bastante baixa, mas é uma evolução que leva tempo. Vai ser um processo cultural, de investir no potencial do cliente não bancarizado", afirma Cesário Nakamura, diretor da Bradesco Cartões.
As bases para o avanço do mercado de pré-pagos, em especial os voltados para baixa renda, foram lançadas no fim de 2013, quando o Banco Central (BC) regulamentou o mercado de meios de pagamento. Além de estabelecer regras de governança, exigências de capital e outros requisitos para quem operar com pré-pagos, a autoridade monetária criou a conta de pagamento, espécie de conta corrente simplificada em que ficam armazenados os recursos do cartão.
O desenho da regulação, na visão do mercado, foi feliz ao permitir que, em contas de pagamento, o aporte mensal de recursos não supere o R$ 1,5 mil e que elas possam ser abertas apenas com o CPF do usuário. Processo mais simples que o da conta corrente, que exige comprovante de endereço para ser aberta. "A conta de pagamento é a nova fronteira da bancarização no Brasil e vai se consolidar como uma alternativa à conta corrente", diz Moreira, do BB.
Para a Caixa, que fechou recentemente a compra da Vale Presente, o potencial de crescimento dos pré-pagos vai além da bancarização. "Segmentos de cartões presente, corporativos, cartões de premiação, mesada, entre outros, são nichos que tendem a apresentar crescimento relevante nos próximos anos", afirma o diretor executivo de cartões do banco público, Mário Ferreira Neto.
Na instituição, os pré-pagos também podem ser um instrumento para pagamento de benefícios sociais. Ferreira também afirma que os pré-pagos vinculados ao celular - a Caixa é parceira da Tim nessa seara - ajudam a trazer para o banco um perfil mais jovem, "que usa serviços bancários sem precisar de um banco."
Fora do universo dos bancos, o desafio é ganhar escala para rentabilizar a operação. É esse o cenário com que trabalha a Acesso, que emite um cartão pré-pago com bandeira MasterCard. A empresa tem atualmente 100 mil contas pré-pagas - e deve encerrar o ano com 120 mil. Para 2015, a meta é chegar a 300 mil contas, afirma seu presidente, Sérgio Kulikovsky.
Para Kulikovsky, os bancos têm mostrado mais interesse em competir no segmento de cartões pré-pagos emitidos para clientes de mais alta renda - seja para pagar funcionários, seja para as despesas domésticas. São cartões em que o tíquete de recargas é maior e o uso, mais frequente. "É um produto que acaba sendo mais rentável do que o pré-pago para baixa renda, em que as recargas não chegam a R$ 200", afirma. Para atuar na base da pirâmide, o controle de custos é a chave, diz. Exemplo é o fato de a empresa ter apenas 40 funcionários.