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11/02/2025 - Após um ano, teto de juros do cartão tem pouco impacto sobre taxas

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Por: Valor Econômico

 

Um ano após a implementação do teto de juros para as dívidas do cartão de crédito - que gerou uma disputa ferrenha entre bancos e credenciadoras -, o mercado se acalmou, mas isso não significa que a questão tenha sido resolvida. A regra, estabelecida em lei e regulamentada pelo Banco Central (BC), está sendo cumprida pelo sistema financeiro, mas, na prática, houve pouco efeito sobre os juros.
 
O dado original do BC continua mostrando uma taxa de 450,5% ao ano no rotativo - embora o uso da modalidade seja limitado a 30 dias - e 171,2% ao ano no parcelado do cartão. Um novo indicador criado pela autoridade monetária, no entanto, mostra que pouquíssimas pessoas batem no teto, chamado “muro inglês”. O efeito limitado da medida sobre os juros já era esperado desde a criação da norma.
 
Com o “parcelado sem juros” (PSJ) enraizado na cultura do brasileiro, não parece mais haver discussão, pelo menos por enquanto, de acabar com esse instrumento ou limitá-lo. A estratégia das instituições financeiras passa agora por oferecer alternativas ao consumidor, como a antecipação da fatura com parcelas fixas - que busca facilitar o entendimento e impedir a bola de neve dos juros sobre juros - e outros produtos de crédito, como os parcelamentos via Pix, que, em geral, têm juros.
 
A regra em vigor há um ano no cartão de crédito surgiu após a indústria bancária se envolver em discussões, puxadas pelo governo e pelo Congresso, para redesenhar o instrumento. Em meio ao debate, os bancos emissores de cartões diziam que, na realidade, não existe parcelamento sem juros, já que as taxas estão embutidas no preço do produto, e que há um subsídio cruzado na indústria. Por isso, defendiam uma revisão do PSJ. Por sua vez, as credenciadoras, donas das “maquininhas”, afirmavam que não há correlação direta entre PSJ, inadimplência e juros no cartão.
 
Quando o Congresso começou a discutir o teto, os bancos disseram também que, a depender da taxa, milhões de pessoas poderiam deixar de ser elegíveis a ter um cartão. Depois de muita briga, foi definido que os bancos não poderiam cobrar mais do que o valor original da dívida em juros no rotativo e no parcelado do cartão. Porém, não foi definido um prazo para esse teto de 100% - o que é diferente de se estabelecer um limite de 100% ao ano. A taxa, portanto, depende do prazo pelo qual é cobrada. Desde 2017 também vigora uma regra do BC que impede o cliente de ficar mais de 30 dias no rotativo. Depois desse período, a instituição é obrigada a oferecer outra linha, com condições mais atrativas.
 
Com o teto, o regulador não deixou de divulgar sua taxa anualizada para o rotativo - aquela de 450% ao ano. Porém, em uma tentativa de dar mais transparência ao debate, passou a reportar também uma tabela com 15 instituições que representam cerca de 80% das modalidades de cartão de crédito rotativo e parcelado. Ela mostra quatro percentis: 25, 50, 75 e 99. É como se os clientes fossem enfileirados em ordem do tanto de juros que pagam. O percentil 25 significa que o cliente na posição 25 paga aquele nível de juros e os 24 anteriores pagam menos. Até dezembro, apenas dois bancos tinham atingido o teto de juros: Itaú e Luizacred, o que significa que, nesses casos, em 99% das operações os montantes de juros são iguais ou inferiores a 100% dos valores originais da dívida. Nas demais instituições acompanhadas, o percentil 99 está abaixo do teto.
 
Para Ivo Mósca, diretor de inovação, produtos e serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o teto de juros não resolveu o problema porque a dinâmica do cartão de crédito não foi alterada. Por isso, um grupo de trabalho formado por bancos, credenciadoras e outras instituições lançou, no ano passado, o parcelamento do saldo total (PST). Com essa opção, o cliente pode refinanciar o saldo total da dívida (incluindo saldos em aberto, a vencer ou vencidos, financiados por operação de crédito e valores de compras parceladas com e sem juros), em parcelas iguais e constantes. Segundo ele, a medida pode ajudar a reduzir os juros totais do cartão, já que combate a inadimplência, ao regularizar a situação de um número maior de clientes que antes, ao entrarem no rotativo, simplesmente deixavam de pagar essa dívida.
 
A Febraban diz que o grupo de trabalho propôs no fim do ano passado duas mudanças ao BC. A primeira é que a lista dos percentis inclua todas as instituições financeiras, e não só 15. A segunda é que seja divulgado um novo indicador de juros, com um entendimento mais fácil.
 
A taxa do rotativo divulgada pelo BC é obtida a partir da anualização do juro contratual mensal dos bancos - apesar de ninguém pagar esse nível na prática pela limitação de 30 dias. A ideia é criar uma taxa que mostre o juro médio efetivamente cobrado. “Essa taxa hoje ficaria entre 30%, 40% ao ano. Os bancos têm como fornecer esses dados e tudo indica que ainda no primeiro trimestre o BC regulamente isso”, diz Mósca.
 
Na época das discussões sobre uma eventual limitação do PSJ, Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), foi um dos mais vocais opositores, bancando até campanhas publicitárias contra a medida. Passado um ano do teto, ele diz que o receio dos bancos com essa limitação não se concretizou - até porque não foi criado um teto mensal - e que a sociedade deixou claro que não aceita o fim do PSJ. “Se um dia o parcelado sem juros tiver de acabar é porque surgiu uma solução de mercado melhor. O que não dá é deixar o consumidor sem essa opção, sendo jogado na boca do leão.”
 
Na prática, a nova norma não teve muito impacto sobre as instituições, afirma o sócio do Pinheiro Neto Advogados Bruno Balduccini. “Todo mundo respeita a regra e pouca coisa mudou porque esse patamar de juros já era de certa forma uma realidade. Mexer com taxa é sempre algo complexo, é difícil resolver com uma canetada.”
 
Vice-presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), Ricardo Vieira tem uma visão semelhante. “Sempre falamos que o ‘muro inglês’ não resolveria, isso porque os juros têm outras causas por trás.” Ele acrescenta que, justamente por isso, o fórum criado pelas empresas que atuam no setor de cartões segue debruçado sobre medidas estruturais que ajudem nesse processo. “A indústria nunca gostou do patamar da taxa do rotativo. A modalidade representa 2% do volume de crédito total, mas os juros chamam muita atenção.”
 
Ainda que poucas pessoas de fato atinjam o teto de 100%, o limite garante que ninguém pagará mais do que isso, afirma Vinícius Carrasco, diretor-executivo da Associação Brasileira de Instituições de Pagamento (Abipag). “Não sei se havia um problema, mas o fato de o Congresso ter decidido legislar sobre isso mostra que a sociedade percebia essa questão como um problema.”
 
Para Carol Conway, presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet) e primeira presidente do fórum criado pelas empresas do setor para discutir a dinâmica do cartão de crédito, apesar de o histórico para análise dos dados ainda ser pequeno, o teto teve efeitos positivos.
 
Em nota, ela destaca que houve, por exemplo, queda no uso do rotativo. Dados do BC mostram que, em novembro de 2024, o rotativo representava 10,6% do saldo total da carteira de cartão de crédito, ante 12% um ano antes. “Nossa expectativa é de que os resultados benéficos estarão ainda mais claros nos próximos trimestres “, afirma.
 
Balduccini diz ainda que, embora as discussões sobre outras mudanças no cartão de crédito não estejam nos holofotes no momento, esse é um tema que está sempre no radar. O debate sobre propostas como liquidação das transações em dois dias úteis (e não 30 dias, como é hoje), alterações no PSJ e até limitação da tarifa de intercâmbio ganham força de tempos em tempos.
 
Para Carla Beni, professora de MBAs da FGV e conselheira do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), embora a regulamentação seja fundamental, ela veio tarde e foi insuficiente para colocar os juros do cartão em um patamar aceitável. “É um crédito problemático porque tem juros muito altos e é de fácil acesso. Isso faz com que as famílias usem muito essa opção.”
 
Ela destaca que a solução para o problema passa por medidas mais estruturais, como uma discussão sobre os limites concedidos pelas instituições para os seus clientes e sobre o próprio parcelado sem juros. “Não existe parcelamento sem juros. Na prática, sempre há juros embutidos e precisa haver um esforço também das instituições para mostrar isso para as pessoas.”

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