30/08/2024 - Brasileiro vai do troco ao ‘touch’ nas transações financeiras
VoltarPor: Valor Econômico
A tecnologia vem mudando a forma como os brasileiros pagam suas contas. Com um celular em mãos ou um relógio no pulso, passaram a comprar de produtos na China e passagens de metrô no Rio de Janeiro até quitação de tarifa de pedágio via bluetooth nas rodovias do país. Os consumidores nunca tiveram tantas, e ágeis, opções de pagamento. Mesmo princípio vale para quem recebe por vendas ou serviços prestados; não é mais preciso enviar dados bancários, basta gerar QR code ou um link e o valor entrará imediatamente na conta, via Pix, meio de pagamento mais utilizado no país, com cerca de 28 bilhões de transações no primeiro semestre de 2024, equivalentes a um recorde de R$ 11 trilhões, de acordo com o Banco Central.
Para usar um jargão do setor, os brasileiros foram do troco ao touch em muito pouco tempo. “Hoje, cerca de 80% do consumo das famílias é feito por meios eletrônicos de pagamentos”, afirma Rogério Panca, diretor de cartões e pagamentos digitais do Santander Brasil. O dinheiro em papel vem saindo de cena, a transferência via DOC foi extinta e o cheque se despede aos poucos. Em paralelo, sete em cada dez transações bancárias no Brasil são feitas pelo celular - de 2019 a 2023 o crescimento foi 251%, segundo uma pesquisa recente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
A tecnologia NFC (Near Field Communication, ou comunicação de campo próximo) veio para ficar nos cartões de crédito e débito. Smartphones chegam com tecnologia NFC, permitindo pagamento por aproximação via ApplePay, Samsung Pay e Google Pay. No primeiro semestre de 2024, tal modalidade somou R$ 644,2 bilhões, 53% superior à do mesmo período de 2023.
No Santander, 71% das transações de pagamentos presenciais são por aproximação. No segundo trimestre de 2024 houve alta de 16,2% no valor de pagamentos com cartão de crédito. “Cada vez mais vemos clientes saindo de casa sem o cartão. Os dados estão no celular. Temos clientes que viajam para o exterior e esquecem de levar o cartão físico, porque estão acostumados com a wallet [carteira digital]. Ele só descobre ao entrar na sala Vip, onde o cartão físico é exigido”, conta Panca.
Em agosto, o Banco Central regulamentou a chamada jornada sem redirecionamento (JSR), permitindo o uso do Pix em carteiras digitais para pagamentos por aproximação, o que deverá acelerar o processo. “O Santander está em dez lugares diferentes no mundo operando com meios eletrônicos de pagamentos. Em nenhum outro país temos o ambiente do Brasil. Temos constantemente inovações aparecendo”, diz o diretor do banco.
A evolução dos meios de pagamentos no Brasil e no mundo aponta para aumento de mais 80% até 2025 nos volumes globais de pagamentos digitais, superando 1,9 trilhão de transações por ano. Até 2030, o total deve quase triplicar, conforme estudo da Strategy&, consultoria estratégica da PwC Brasil. “Está havendo migração das cadeias tradicionais de valor para métodos alternativos de pagamento, que capturam boa parte da receita de crescimento”, explica Willer Marcondes, sócio da Strategy& e um dos autores do estudo. Em relação aos pagamentos transnacionais, o executivo destaca a grande transformação no setor, também estimulada pelos pagamentos instantâneos e de baixo custo.
No mundo, as carteiras digitais devem ser o método de pagamento de crescimento mais rápido até 2027, quando representarão 49% (US$ 25 trilhões) do total transacionado no planeta. Hoje, já respondem por 50% dos gastos globais no comércio eletrônico (US$ 3,1 trilhões) e 30% das compras físicas em pontos de venda (US$ 10,8 trilhões), conforme estudo da Worldpay, líder mundial em tecnologia e soluções de pagamentos.
A competição pelo aumento da participação no mercado de carteiras digitais vem atraindo fabricantes de smartphones, mercados de e-commerce, redes bancárias e fintechs globais. O estudo revela que os gastos com cartões estão migrando para carteiras digitais. O Brasil se consolidou como o segundo país que mais usou pagamentos instantâneos em 2023 (a Índia ficou em primeiro lugar) e está na vanguarda em relação à maior parte dos mercados globais. Hoje, é a quarta nação que mais usa carteira digital, atrás da China, Índia e Alemanha.
No Mercado Pago, fintech com 52 milhões de usuários ativos mensais e que movimenta US$ 46 bilhões, o Pix representa 90% dos pagamentos realizados entre duas contas correntes. No e-commerce, a participação do Pix e do cartão de crédito praticamente se divide, enquanto aqueles efetuados via boleto ou débito são inferiores a 5%. O comportamento varia de acordo com o segmento. Felipe Soria, chefe de estratégia de negócios regulados do Mercado Pago, avalia que os meios de pagamentos digitais, como o Pix e o QR code, vão continuar evoluindo e crescendo, porque estão incluindo muita gente desbancarizada.
“As pessoas passam a ter acesso a um meio de pagamento novo. Com os aperfeiçoamentos do Pix, é possível penetrar em outros segmentos dominados até então por outros meios de pagamentos, inclusive dentro das empresas”, afirma Soria. A fintech está no top 10 de volumes de chaves Pix no país.
No Bradesco, nos últimos três anos, a digitalização dos meios de pagamento também cresceu impulsionada pelo Pix, representando metade das transações efetuadas no banco. Perderam espaço operações com saque e TED, este último com redução em torno de 40%, embora mantenha importância em termos de volume financeiro transacionado. “A digitalização dobrou de tamanho nos últimos três anos e meio. Quase todos os meios de pagamento cresceram”, afirma Antônio Daissuke, diretor de produtos de gestão de caixa do Bradesco.
Tal expansão foi resultado do ingresso de novos usuários no sistema. “A pizza aumentou do ponto de vista de transações. Os meios de pagamento cresceram. Dobramos nosso faturamento em cartão de crédito desde 2018 e no débito houve aumento de cerca de 80%. Isso em todas as camadas”, afirma André Marques, diretor de cartões do Bradesco.
O Pix, que serve de exemplo para outros países, cresceu mais rápido - e tem tirado cerca de 5% do cartão de débito, diz Marques. Com o crédito é diferente. No primeiro semestre de 2024, os pagamentos de cartão de crédito no Brasil atingiram R$ 1,3 trilhão, 11% superior ao do mesmo período de 2023. “Mais de 50% do consumo das famílias é feito com cartão”, afirma o diretor de cartões do Bradesco.
A tendência é a de que, em futuro próximo, o cliente terá mais flexibilidade para decidir o meio mais conveniente de pagamento. “Mudamos o paradigma. Temos trabalhado para unificar os meios de pagamentos; por exemplo, transferindo saldo do cartão para conta corrente. Mesmo sem dinheiro na conta, o cliente pode pagar com Pix, usando o limite do cartão. Isso será feito de forma automática”, diz Marques.