22/10/2023 - Setor de cartões vê excessos em briga de associações sobre rotativo
VoltarPor Mariana Ribeiro | Valor Econômico
As trocas de acusações públicas entre a Associação Brasileira de Internet (Abranet) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), na semana passada, refletem a temperatura do debate sobre o rotativo do cartão de crédito. Participantes das discussões veem “excessos” e “falta de razão” nas declarações de ambos os lados e acreditam que as reações revelam instituições pressionadas pelo prazo de 90 dias estabelecido pelo Congresso para que o setor encontre uma solução para o tema.
As discussões, que estavam mornas desde a aprovação do projeto de lei que criou um limite de juros para o rotativo, voltaram a ganhar fôlego na semana. Isso aconteceu primeiro com a reunião do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, com representantes de bancos e empresas dos setores de pagamentos e varejo e, depois, com as cartas divulgadas pelas associações nos dias seguintes.
Enquanto a Abranet, que representa empresas como PagBank, Mercado Pago e PicPay, se posicionou contra mudanças que afetem a dinâmica do parcelado sem juros e acusou a Febraban de criar uma “narrativa vazia e anticompetitiva”, a federação dos bancos respondeu dizendo que a Abranet busca apenas a autopreservação do modelo de negócios de associadas e mantém uma “postura mesquinha”. Falou ainda na possibilidade de tomar “as medidas judiciais cabíveis”.
“Estamos tentando resolver uma discussão histórica em 90 dias. As cartas são um sinal de alerta de que talvez esteja faltando um pouco de razão nessa guerra e seja melhor buscar o consenso”, diz Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “O diálogo está difícil, mas ainda acho que a reunião de segunda foi positiva porque pela primeira vez sentamos todos para conversar.”
Outra fonte a par das discussões afirma que houve excessos das duas partes, o que não colabora com o debate. “Um confronto aberto faz com que as pessoas levantem ainda mais a guarda”, afirma. Para esse interlocutor, com a pressão do prazo, muitas decisões estão sendo tomadas “com o fígado” e aumentando a temperatura das conversas. Ele defende ainda que levar o assunto para outros esferas, como a judicial, seria improdutivo e prejudicial.
Além da Abranet, a Abrasel era outra associação que vinha travando uma batalha pública com a Febraban. Na quinta-feira, no entanto, Solmucci e o presidente da federação dos bancos, Isaac Sidney, se reuniram para falar sobre rotativo. Sem entrar em detalhes sobre as propostas discutidas, o representante do varejo afirmou que a reunião foi positiva. “Não posso adiantar, mas conseguimos enxergar uma luz no fim do túnel. Os dois lados mostraram disposição em discutir”, disse.
A Febraban confirmou o encontro e disse tratar-se de um “desdobramento dos debates entre os elos da cadeia de cartão para discussão do tema do rotativo”. O presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Rodrigo Maia, também participou.
A tentativa de diálogo ocorre em um momento em que as instituições correm contra o tempo para encontrar um novo desenho para o produto. Projeto de lei sancionado no início de outubro deu a elas 90 dias para levar uma solução para ser submetida ao Conselho Monetário Nacional (CMN). Do contrário, as taxas de juros do rotativo, que hoje beiram 450% ao ano (embora só possam ser cobradas por um mês), serão limitadas ao dobro do valor do principal da dívida no cartão.
Na reunião de segunda, Campos Neto discutiu com os participantes a possibilidade de limitar a 12 prestações o parcelado sem juros e também a tarifa de intercâmbio dos cartões de crédito. Não há consenso no setor e uma nova reunião está prevista para novembro.
Credenciadoras independentes se opõem a mudanças na dinâmica do parcelado sem juros. Parte dos participantes da indústria ouvidos pelo Valor afirma que representantes do varejo se mostraram, na reunião de segunda, dispostos a debater o tema, desde que sejam estabelecidos limites, como um acordo de que seriam até 12 parcelas sem juros, e não menos.
Na visão de um interlocutor, isso pode representar um isolamento das credenciadoras independentes e ajudar a explicar o tom duro adotado pela Abranet em sua carta. É importante ressaltar, no entanto, que entidades representativas que já se manifestaram contra mudanças no parcelado sem juros, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), não participaram do encontro. Como mostrou o Valor na semana passada, apesar de o BC ter tomado à frente das discussões, uma solução está longe de ser alcançada.
Para essa fonte, houve exagero nas falas tanto da Abranet quanto da Febraban, mas sem surpresas. “Está em linha com o embate que já vinha sendo travado. A discussão retomou o status de briga aberta. Mostra o clima do debate, de fogo aceso em chama alta.”
Jorge Gonçalves, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), diz que limitar o parcelado sem juros a 12 vezes não atenderia a todo o mercado e faria falta, por exemplo, a segmentos de duráveis e semiduráveis. Apesar disso, se a nova sistemática vier acompanhada de benefícios, como redução da tarifa de intercâmbio e portabilidade, pode ser debatida, completa.
Para ele, é natural que cada associação coloque sua posição e o BC terá de mediar a situação. “A reunião foi importante porque o assunto precisa da coordenação de alguém isento”, diz. “Mas não acho o debate vai se encerrar em janeiro, deve se estender após apresentação de proposta ao CMN.