Museu do Cartão de Crédito

21/06/2023 - Por que é tão difícil cortar juros do cartão?

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Por Mariana Ribeiro e Álvaro Campos
 
De tempos em tempos, os juros do cartão de crédito voltam ao debate no Brasil, em geral pelos níveis estratosféricos cobrados no rotativo, atualmente em 448% ao ano. Agora, o tema está novamente em discussão, com o governo pressionando o setor a encontrar formas de reduzir as taxas. Porém, a questão não é simples, e as soluções passam por eliminar  “jabuticabas” e aproximar a indústria local dos modelos internacionais.
 
O setor de cartões tem um desenho único no mercado brasileiro, com características muito peculiares, como é o caso do parcelado sem juros, que se tornou vital para o varejo. Mexer nessa estrutura exige uma reforma ampla.
 
Mas há mais discordâncias que convergências. Parte dos participantes do mercado e analistas aponta que as idiossincrasias da indústria no país, como o parcelado sem juros e a taxa do rotativo, estão interligadas e, portanto, devem ser pensadas em conjunto. Assim, qualquer alternativa deve levar tempo para ser implementada. Outro grupo, formada em especial pelas credenciadoras, não vê relação direta e automática entre parcelado sem juros e as taxas atuais.
 
                                                                  
 
Interlocutores do setor argumentam ainda que o ideal seria fazer a discussão em um momento de maior crescimento da economia, suavizando impactos sobre o consumo. A questão é que a pauta tem apelo popular e tornou-se uma bandeira do governo - embora as taxas do rotativo tenham pouca correlação com a Selic.
 
“Se a gente quer juros internacionais, antes tem que trazer o produto para um desenho mais internacional também”, afirma Leandro Vilain, que recentemente se tornou sócio da consultoria Oliver Wyman após nove anos na Febraban. Para ele, o modelo de cartões está hoje muito distante do praticado no restante do mundo e, se o objetivo é encontrar uma solução estrutural, não há como não se falar do parcelado sem juros.
 
Vilain afirma que “reequilibrar o modelo” pode levar anos por exigir adaptações de diversos elos da cadeia. Segundo ele, no entanto, a discussão precisa começar agora. “É lento e gradual, até para que o comércio possa se adaptar, vá buscando um reequilíbrio, e o próprio consumidor vá se adaptando a uma nova cultura. Ninguém quer impacto sobre o consumo.”
 
                               
O rotativo não é invenção brasileira, mas o modelo local é diferente do praticado em outros países. “Não dá para comparar o Brasil com os EUA, as diferenças em termos de juros, natureza e risco da operação são enormes. Lá, se o cliente não paga integralmente a fatura, há cobrança de juros desde o dia da compra. Alguns emissores defendem adotar isso aqui, mas acho que, dado o nível de educação financeira da população, cobrar juros retroativos é complexo demais”, diz uma fonte do setor.
 
Por outro lado, o representante de uma grande fintech afirma que relacionar o parcelado sem juros às altas taxas do rotativo é uma “bomba de fumaça” lançada pelos bancos, que querem passar a cobrar juros nos parcelamentos. “Costuma-se argumentar que o juro no rotativo é muito alto em função da inadimplência, mas o banco, ao conceder o limite do cartão, determina esse volume independentemente de o pagamento ser à vista ou parcelado. Não existe lei que obrigue os bancos a oferecerem o parcelado sem juros. Se alguém acha que não é bom, pode simplesmente parar de fazer”, diz.
 
Na indústria de adquirência, também se defende que não há associação direta entre os temas. “A gente acredita que não existe nenhuma relação entre os altos juros cobrados no crédito rotativo e o parcelado sem juros”, disse ao Valor no mês passado o diretor de relações com investidores, ESG e inteligência de mercado do PagBank, Eric Oliveira. “A tarifa de intercâmbio no crédito já é substancialmente maior que a praticada em produtos que não têm risco de crédito”, disse Vinicius Carrasco, economista-chefe da Stone, também em maio.
 
Um interlocutor que conhece o mercado destaca que não há correlação entre a taxa do rotativo e a Selic. Os juros no cartão são mais sensíveis a outros fatores, como a inadimplência alta, de mais de 50%. Por isso, participantes do setor defendem que medidas voltadas a dar mais transparência às taxas ajudariam a trazer soluções estruturais para o problema.
 
Em busca de uma saída, nos últimos meses já se falou no fim do rotativo e na imposição de um teto para a modalidade. Essa opção ainda não foi descartada, embora seja considerada improvável. Segundo apurou o Valor, uma das propostas em discussão entre o setor financeiro e o governo neste momento envolve alguma forma de controle de taxas em paralelo a um aumento do intercâmbio na modalidade, como forma de compensação. Outras medidas, como a extinção do rotativo, maior facilidade de portabilidade e ações para dar mais transparência aos juros seguem em debate.
 
Quando, em abril, foi montado um grupo de trabalho entre Ministério da Fazenda, Banco Central (BC) e setor financeiro para discutir causas e buscar soluções para os juros do rotativo, a indústria tentava justamente evitar que fosse imposto um teto pelas autoridades. Segundo interlocutores ouvidos pelo Valor, bancos poderiam estar dispostos a aceitar algum tipo de limitação, desde que acompanhada de um aumento de receita com as transações no cartão de crédito.
 
No entanto, está longe de haver consenso sobre essa opção, tanto pela resistência no setor à ideia da limitação dos juros em si quanto pelo efeito que o aumento do intercâmbio pode ter sobre o equilíbrio da indústria, esbarrando, inclusive, na oferta do parcelado sem juros. O intercâmbio é a tarifa cobrada dos emissores do cartão, em geral bancos ou fintechs. “Não é algo simples. Aumento do intercâmbio levará a maior repasse aos bancos pelos adquirentes, que por sua vez vão querer repassar aos estabelecimentos comerciais, que por sua vez vão reclamar muito. Nenhuma solução é fácil”, aponta o executivo de um grande banco.
 
Na semana passada, em reunião com analistas do Citi, o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, disse não acreditar que o governo ou Banco Central imporá um teto de juros, e apontou para algum tipo de autorregulação. “Acho que hoje o mais provável é vir algo via autorregulação”, diz outro importante banqueiro.
 
Aumentar a tarifa de intercâmbio implicaria elevação do custo do cartão de crédito para os lojistas e alteraria o equilíbrio de remuneração dos elos da cadeia. Para participantes do setor de pagamentos, a medida iria na contramão da proposta de dar mais transparência sobre os juros. Uma alta do intercâmbio também poderia esbarrar em problemas concorrenciais, observam ainda.
 
“Aumenta o custo de todo mundo e não traz competição. É uma solução horrível”, diz uma fonte. Outro executivo lembra que qualquer análise de crédito leva em conta o retorno e o risco. Ao se limitar os juros, diminui-se o retorno, mas o risco continua igual.  “Os modelos do banco automaticamente vão negar o crédito para muitos clientes, e quem vai sofrer são as classes mais baixas, que têm risco [de inadimplência] maior.”
 
Outra fonte com conhecimento do assunto avalia que, apesar de estarem sendo discutidas alternativas, não há saída que não passe pelo fim do rotativo. Nesse caso, se o cliente não pagar a fatura no dia do vencimento, automaticamente seria direcionado para outra linha de crédito, com prazo fixo e juros menores. Sem a incidência de juros sobre juros, que gera a famosa bola de neve no cartão, a lógica é que o usuário consiga pagar as parcelas.
 
A proposta de fim do rotativo criaria uma nova “jabuticaba” - já que o modelo de cartão de crédito sem rotativo é inusual -, mas poderia funcionar como uma solução de curto prazo, acrescenta Vilain, da Oliver Wyman. “Tem um viés de educação financeira e não vejo impacto sobre o comércio, mas não é uma solução definitiva, seria algo transitório.”
 
A competição entre os emissores de cartões se dá exclusivamente pelos limites concedidos, e não pelas taxas de juros praticadas, observa uma das fontes. Seria importante, portanto, colocar os preços no centro do debate. Nesse sentido, o interlocutor defende a criação da infraestrutura e adoção de ajustes regulatórios para permitir a portabilidade da dívida.
 
Essa solução, no entanto, também não é consenso. “Se implantada, vejo mais vantagem para uma eventual adoção por parte de clientes que tenham uma renda um pouco mais alta e não pela base da pirâmide”, diz uma fonte.
 
Procurada, a Abecs, associação dos participantes do setor de cartões, não se pronunciou.

 

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