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12/06/2023 - Cartão de crédito tenta ocupar espaço de boleto em mensalidade e aluguel

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Por Mariana Ribeiro | Valor Econômico

O setor de pagamentos tem adotado medidas para impulsionar o uso do cartão de crédito em fluxos nos quais o instrumento ainda não é popular, como mensalidades de escola, planos de saúde e aluguel. São despesas recorrentes, que hoje em geral são quitadas no boleto.
 
Como parte desse trabalho, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) divulgou diretrizes para o uso do crédito nos pagamentos recorrentes — modalidade em que os débitos são programados para ocorrer periodicamente. Com isso, a indústria espera, em cerca de três anos, ampliar o volume anual processado em até R$ 150 bilhões. No ano passado, R$ 2,1 trilhões foram transacionados via cartão de crédito.
 
O pagamento recorrente é diferente do parcelado sem juros, quando o valor da compra é dividido em várias prestações e o montante total consome o limite do cartão. No recorrente, o gasto se repete a cada mês, e só ele é deduzido do limite.
 
Para especialistas, a iniciativa tem potencial, mas é preciso superar barreiras para que deslanche. Alguns passos considerados necessários são avançar em ajustes técnicos e operacionais, e também investir em comunicação para que os estabelecimentos comerciais, de fato, vejam vantagem em colocar na prateleira uma opção de pagamento que altera seu fluxo de recebimentos. 
 
As diretrizes da associação, publicadas em maio, estabelecem princípios e recomendações técnicas para os pagamentos recorrentes. O processo exigirá adaptações dos diversos elos da cadeia — ou seja, bandeiras, adquirentes e emissores —, além de um trabalho conjunto com os prestadores de serviços de cada setor priorizado.
 
Conselheiro da Abecs e membro do conselho de administração do Banco Original, Raul Moreira afirma que os pagamentos recorrentes no crédito já são fortes no meio digital — como na contratação de serviços de streaming, por exemplo —, mas ainda há pouca aceitação em segmentos tradicionais. Para ele, o cartão pode oferecer uma proposta de valor mais interessante que outros meios tanto para consumidores quanto para os próprios estabelecimentos.
 
Dados levantados pela associação indicam que, na cadeia imobiliária, os gastos com cartão representam apenas 1% do consumo das famílias no segmento. Em educação, essa fatia é de 17% e em saúde, de 10%. “Optamos por começar aprimorando os pagamentos recorrentes nesses setores. O objetivo é estabelecer uma dinâmica mais eficiente e competitiva do cartão frente ao boleto bancário”, diz Moreira em entrevista ao Valor.
 
A diretiva publicada pela Abecs inclui um manual técnico que padroniza procedimentos e formas de processamento dos pagamentos recorrentes. O documento tem em vista mobilizar os participantes da indústria de cartões para que melhorem seus processos de recorrência e também estabeleçam uma dinâmica comercial mais intensa de oferta desse produto.
 
Do ponto de vista técnico, é preciso, por exemplo, garantir a conexão entre credenciadoras e os sistemas de gestão e bons processos de conciliação. As bandeiras precisam ajustar seus regulamentos aos novos padrões, o que pode exigir avaliação do Banco Central (BC), e os emissores devem melhorar a experiência do usuário com o recurso.
 
Para que o projeto tenha sucesso, é fundamental a adesão dos estabelecimentos comerciais. Enquanto no boleto os recursos são disponibilizados ao prestador em alguns dias, no cartão de crédito, esse processo leva 30 dias. Caso queira ter acesso aos recursos antes desse prazo, o estabelecimento precisa antecipar os seus recebíveis, o que envolve um desconto no valor recebido.
 
De acordo com Moreira, as pesquisas realizadas pelo setor, no entanto, indicam grande interesse dos estabelecimentos no produto, principalmente por questões de previsibilidade e redução dos atrasos nos pagamentos. Nas transações com cartão, o banco emissor assume o risco em caso de não pagamento em dia pelo consumidor.
 
“Achávamos que a questão dos 30 dias fosse aparecer bastante nas conversas, mas os estabelecimentos parecem valorizar mais o potencial de redução de inadimplência”, afirma Moreira. “A preferência do consumidor é pelo pagamento com cartão e o desafio é aumentar a base de aceitação. Por isso, é preciso expor as vantagens às empresas.”
 
Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia Consultoria, destaca que o custo para o estabelecimento comercial é justamente uma das barreiras a ser ultrapassadas, mas pondera que a garantia do emissor é um diferencial importante dos cartões, que precisa ser bem comunicado pelo setor.
 
Segundo ele, também é necessário vencer questões culturais, já que nem os prestadores desses setores nem os consumidores estão acostumados a utilizar o cartão nesses fluxos. A função de pagamentos recorrentes no Pix, ainda a ser lançada pelo Banco Central, também pode representar uma concorrência para o cartão de crédito no futuro.
 
“Há uma série de métodos de pagamentos disponíveis. Para que um modelo se popularize em um segmento novo, precisa ser largamente percebido como mais vantajoso pelos diferentes participantes”, diz Freire.
 
Do ponto de vista do consumidor, os benefícios passam por maior prazo para pagamento, centralização das despesas na fatura e possibilidade de turbinar os programas de pontuação. A proposta é que não haja acréscimo de juros no pagamento recorrente via cartão de crédito.
 
Professor dos MBAs da FGV, Mauro Rochlin diz acreditar que a recorrência pode trazer ganhos para estabelecimentos e consumidores, mas acha improvável que o pagamento no cartão não inclua juros, explícitos ou implícitos. “Se o consumidor está ganhando prazo, isso tem um custo. O estabelecimento precisa de alguma diferenciação.”
 
Rochlin acrescenta que há riscos relacionados ainda ao eventual aumento da inadimplência do usuário pessoa físcia no cartão de crédito.
 
O avanço para novos segmentos é um dos itens da agenda da Abecs para aumentar a adesão aos cartões. A expansão do pagamento via débito no e-commerce é outra prioridade. Nesse sentido, a associação anunciou recentemente que usuários poderão fazer compras on-line de até R$ 300 no débito sem precisar inserir senha.
 
Há outras medidas no radar, como o “Click to Pay”, espécie de carteira digital que está sendo desenvolvida em conjunto pelas bandeiras, e a compensação dos pagamentos via débito no mesmo dia. Moreira, da Abecs, diz que há outras frentes de estudo, voltadas, por exemplo, a grandes tíquetes e novos segmentos, tanto nos pagamentos do consumidor quanto nas transações entre diferentes empresas.
 
Boanerges vê de forma positiva a agenda e destaca que a indústria de cartões começou agora a atuar de maneira mais propositiva frente às inovações pelas quais o setor vem passando. “O setor está deixando um lugar que havia assumido, de defesa, de negação das novidades, para assumir uma postura mais proativa.”
 

 

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