28/03/2023 - Fintechs se adaptam a limite para tarifas de cartão pré-pago
Voltar
Mariana Ribeiro | Valor Econômico
O teto para o intercâmbio praticado nas transações com cartões pré-pagos, previsto para entrar em vigor em abril, tem levado fintechs a reestruturar seus modelos de negócios, visando minimizar os efeitos sobre o caixa. A nova regra, estabelecida pelo Banco Central (BC), tem potencial de afetar principalmente os negócios de menor porte, mais dependentes dessa fonte de receitas. Expansão das atividades para área de crédito e software, além da troca da modalidade de cartão, têm sido alguns dos caminhos buscados por essas empresas.
Um ano após levar o tema a consulta pública, o BC editou em setembro de 2022 resolução que colocou um limite de 0,7% para a tarifa de intercâmbio (TIC) cobrada na emissão de cartões pré-pagos. No débito, esse teto é de 0,5%. A autoridade monetária também estabeleceu o mesmo prazo para disponibilização dos recursos aos estabelecimentos comerciais, , independentemente de o cartão ser de débito ou pré-pago. O regulador deu um tempo para adaptação das empresas, que termina neste mês.
Presidente da Visa no país, Nuno Lopes afirmou ao Valor que a companhia tem recebido diversas consultas de clientes sobre como repensar seus negócios na esteira da mudança regulatória. A bandeira, conta o executivo, tem trabalhado junto a fintechs que buscam formas de diversificar as receitas, tanto por meio de adaptação quanto de expansão das atividades.
As tarifas de intercâmbio são definidas pelas bandeiras e cobradas para remunerar os emissores de cartões. Elas são um componente da MDR, a taxa de desconto que as credenciadoras (as empresas de “maquininhas”) recolhem dos lojistas. Desde 2018, as tarifas praticadas nos cartões de débito (emitidos por bancos) já precisavam obedecer a um limite. Para os pré-pagos (emitidos, em geral, por fintechs), no entanto, ainda não havia uma regra.
A discussão sobre o pré-pago gerou muito embate no setor de pagamentos, colocando de um lado instituições digitais, principais afetadas pelo teto, e de outro instituições financeiras tradicionais e credenciadoras, que pediam um tratamento isonômico entre débito e pré-pago. Após os debates, o BC acabou optando por uma solução intermediária, estabelecendo um limite para o intercâmbio do pré-pago, mas maior que o do débito.
Ainda assim, fintechs precisaram ir às contas. A Caju, empresa de tecnologia e soluções para área de recursos humanos, estima que, sem nenhuma mudança no modelo de negócios, perderia cerca de 50% das suas receitas. Isso porque a empresa oferece aos usuários um cartão pré-pago que concentra diversos benefícios. A companhia tem trabalhado em diferentes frentes e espera que, com as medidas, consiga manter o nível de rentabilidade atual após a entrada em vigor da norma do BC, diz Eduardo del Giglio, CEO da fintech.
Em uma dessas apostas, a Caju espera lançar nos próximos meses, em parceria com a Visa, um cartão multiproduto que incluiria uma nova modalidade voltada exclusivamente a benefícios como de alimentação e refeição. Esse novo trilho, ainda em construção, será chamado de “voucher”.
A expectativa é que essa adaptação permita que a companhia mantenha receitas mais altas na oferta dos auxílios alimentação, refeição e cultura, diz Giglio. Isso porque, em um contexto de abertura do mercado de benefícios, o BC editou norma em janeiro dizendo que não regulará os cartões de alimentação, independentemente de sua natureza. A mudança busca dar tratamento isonômico ao auxílio oferecido por meio do Programa de Auxílio ao Trabalhador (PAT), que já não era regulado pelo BC, e fora dele. Na prática, isso significa que a modalidade não precisará obedecer ao teto do intercâmbio.
A Caju oferece, no entanto, outros benefícios (estes sim submetidos ao teto) e, portanto, trabalha em outras medidas. A empresa lançou recentemente, por exemplo, o Caju Despesas, solução de gestão e controle dos gastos empresariais. O produto, que é pago, está em linha com o objetivo de entrar no mercado de “software as a service” (SaaS) e oferecer um conjunto de soluções voltadas às áreas de recursos humanos, departamento pessoal e financeiro das empresas. A startup lançou seus produtos em 2020 e está presente, atualmente, em 17 mil empresas.
A Conta Simples, fintech que oferece recursos para gestão financeira de pequenas e médias empresas e cartões corporativos, vem desde o fim de 2021 planejando a troca dos cartões emitidos. A empresa, que também trabalhava com pré-pagos de crédito, começou o projeto para ofertar cartões de crédito de fato. O BC soltou em outubro daquele ano a consulta pública para discutir o teto para o intercâmbio do pré-pago. Assim, com a perspectiva de edição da nova regra, o mercado já começou a se movimentar.
“Quando saiu a consulta, sabíamos que o teto viria em algum momento. Só não sabíamos quando", diz Rodrigo Tognini, cofundador da Conta Simples. Ele acrescenta que, embora o pré-pago seja mais fácil de ser lançado por empresas novas, tem suas limitações. Por isso, a empresa sempre teve o objetivo de fazer a mudança. “A norma do BC, na verdade, só acelerou esse processo".
A empresa começou o envio dos cartões de crédito em janeiro e espera substituir toda a base até abril. Além disso, está focada em expandir as áreas de software e crédito. Lançada em 2019, a fintech somou R$ 11 bilhões transacionados em 2022 e espera dobrar o número neste ano.
Embora ainda tenham peso pequeno no volume total transacionado via cartões, os pré-pagos vêm crescendo fortemente. Em 2022, foram movimentados R$ 992,4 bilhões no débito, um aumento de 7,4%. Já via pré-pagos, foram R$ 227,6 bilhões, crescimento de 94,4%, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs).
Presidente da Zetta, associação que representa fintechs como Nubank e Mercado Pago, Bruno Magrani destaca que o fato de o BC ter estabelecido um teto mais alto para o pré-pago minimizou as perdas para as empresas, mas, ainda assim, haverá algum impacto.
O executivo afirma que não tem visto associadas anunciando o fim da gratuidade das contas, o que considera positivo. Para ele, as empresas têm buscado compensar a perda de receitas com a expansão de produtos e redução de custos. “Apesar dos impactos, não ouvimos notícias de fintechs falando em fechar as portas. Não esperamos impactos drásticos, mas vamos acompanhar".
Presidente da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), Diego Perez tem visão semelhante. Ele explica que a norma do BC tem potencial de afetar principalmente as fintechs monoproduto, que estão no começo da jornada. “Mas toda fintech precisa criar novas linhas de receitas, lançar novas funcionalidades, distribuir outros produtos financeiros para rentabilizar o negócio", afirma.