26/01/2022 - ‘Crédito será retomado em breve com novo produto’, diz CEO da Stone
VoltarPor Talita Moreira | Valor Econômico
A Stone se transformou nos últimos anos numa das mais badaladas empresas de pagamentos. Contava com a simpatia de analistas porque era inovadora e ágil na prestação de serviços e entendeu cedo que as “maquininhas” não bastavam para garantir um futuro brilhante. Porém, o humor do mercado virou do ano passado para cá, e as ações da companhia acumulam queda de 81% em 12 meses.
O estopim foi a decisão da Stone de interromper a oferta de crédito depois de admitir ao mercado que enfrentava problemas no produto. No entanto, o tombo é fruto de uma “tempestade perfeita” formada também por dificuldades na integração com a Linx, cenário econômico adverso e alta de juros - que torna os investidores menos pacientes com empresas de alto crescimento.
Para voltar aos eixos e recuperar a confiança do mercado, a Stone prepara uma série de medidas. A linha de crédito será relançada, agora com uma concessão mais sofisticada e menos dependente do registro de recebíveis. A credenciadora também reajustou preços para recompor as margens e trabalha numa simplificação da gestão que deve torná-la mais compreensível aos olhos dos investidores, afirma Thiago Piau, CEO e sócio da Stone, em entrevista por escrito ao Valor. É a primeira vez que um executivo da empresa se manifesta abertamente sobre os problemas enfrentados e conta de que maneira pretende superá-los. “Ouvimos com muita atenção o mercado e sabemos que temos muito trabalho. Por outro lado, também temos clareza de que a maior parte dos fatores que prejudicaram o desempenho recente da companhia é conjuntural e não estrutural”, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Valor: A Stone entrou numa espiral negativa e as ações acumulam queda de 81% em um ano. A que atribui essa deterioração?
Thiago Piau: A queda no preço das ações da Stone tem relação com os resultados no ano de 2021, que vieram abaixo do esperado, em especial devido ao adiamento da oportunidade de crédito e às menores margens, ligadas à rápida elevação dos juros no país e aos maiores investimentos que realizamos. A retração dos múltiplos de empresas de alto crescimento parece ter algum peso também na queda das ações. Ouvimos com muita atenção o mercado e sabemos que temos muito trabalho. Por outro lado, também temos clareza de que a maior parte dos fatores que prejudicaram o desempenho recente da companhia é conjuntural e não estrutural.
Valor: Quais, por exemplo?
Piau: O crédito será retomado em breve com um novo produto diante do cenário de garantias existente. Os juros mais altos, por sua vez, vão ser refletidos em uma nova política de preços que já começou a ser implementada gradualmente em novembro e que deve contribuir para margens melhores ao longo de 2022. Nossa base de clientes cresce bastante e a oportunidade de meios eletrônicos de pagamento, software de gestão, seguro e crédito é muito grande no Brasil.
Valor: Diversas casas de análise cortaram o preço justo das ações da Stone. Considera correta essa percepção de piora?
Piau: Acreditamos muito nas oportunidades que estão sendo criadas a partir da agenda regulatória que promove abertura e competição no sistema financeiro. Por exemplo, o Pix, que ainda representa um volume baixo de transações entre consumidores e lojistas, traz um volume financeiro potencial para nossa plataforma muito grande, substituindo dinheiro e transferências bancárias através de uma infraestrutura fácil de usar. Outro tópico que nos interessa é o sistema de registro de recebíveis, que foi concebido a duras penas e tornou-se obrigatório para todo o mercado, tendo um tombamento conturbado em junho do ano passado. Capitaneamos esse movimento investindo milhões na TAG, nossa registradora de recebíveis, para viabilizar essa infraestrutura de mercado, em linha com o trabalho feito por outras duas empresas, a CIP e a Cerc. Todos os participantes desse sistema sofreram e o novo desenho prejudicou a operacionalização de crédito colateralizado, o chamado crédito fumaça, que é baseado na garantia de recebíveis futuros. Acreditamos que essa dinâmica de registro deva evoluir e se desenrolar neste ano. O registro de recebíveis cria uma grande oportunidade para empresas de tecnologia e com expertise em processamento de pagamentos como a Stone, pois aumenta a segurança do processo de concessão de crédito. Estamos focados em, por meio de uma boa execução, endereçar a oportunidade do crédito, que na nossa visão continua intacta. Diante da amostra das mais de 100 mil operações de crédito realizadas no ano passado, aprendemos a diferenciar melhor as características dos clientes bons pagadores e dos maus pagadores, o que nos deixa mais otimistas. Diversos ajustes estão sendo feitos para a retomada do produto.
Valor: Qual foi o problema da Stone no produto de crédito?
Piau: A operação de crédito foi construída anteriormente de forma que o principal risco avaliado era o da materialização das garantias oferecidas pelos clientes no âmbito dos contratos de crédito, sendo essas garantias os recebíveis das vendas em cartões. Porém, a prática de fuga de garantias se intensificou com a evolução da pandemia, uma vez que o lockdown pressionou o fluxo de caixa dos lojistas e, assim, vários buscaram formas de não pagar seus créditos. Além disso, o sistema de registro de recebíveis apresentou falhas que permitiram essa fuga de garantias. Por isso, a Stone decidiu paralisar a operação de crédito em julho, refazer o produto com novas funcionalidades e buscar um melhor balanço entre a avaliação de crédito dos estabelecimentos comerciais, dos donos desses estabelecimentos e dos tipos de garantias que podem ser disponibilizadas, seja pela loja ou pelos seus sócios. O produto tem um potencial muito grande de rentabilidade, mas o processo de escalada tem que ser mais gradual.
Valor: A implantação do registro de recebíveis de cartões foi de fato atribulada, mas o impacto foi maior para a Stone. Por quê?
Piau: Nosso produto dependia quase exclusivamente das garantias em recebíveis apresentadas pelos nossos clientes e, dado que escalamos muito rapidamente a nossa oferta de crédito antes dessa implementação e durante a pandemia, acabamos sendo mais impactados que nossos pares.
Valor: A integração da Linx elevou as despesas, mas as sinergias ainda não são palpáveis. Quando os benefícios começam a aparecer?
Piau: O negócio de software tem margens menores que o de serviços financeiros, o que acabou impactando o nível de despesas da StoneCo na visão consolidada a partir do terceiro trimestre de 2021. Por outro lado, é um negócio com maior profundidade na relação com o cliente e com alto nível de retenção, em torno de 99%. Nosso foco inicial tem sido criar as condições para que o time da Linx continue executando bem. A Linx é um ativo único no Brasil, um negócio resiliente, com boa rentabilidade operacional, que cresce dois dígitos e conta com um time muito competente experiente em software e varejo por segmento. Então, a primeira coisa que precisamos garantir é uma boa execução, independente de sinergias, para não prejudicar o enorme valor que a empresa tem por si só, especialmente porque esse é um investimento com horizonte de longo prazo e que complementa o diferencial competitivo da Stone. É importante lembrar que, embora a aquisição tenha sido realizada em 2020, só tivemos acesso à empresa em julho de 2021, quando estávamos imersos em outros temas. Nesse semestre concluímos a migração do LinxPay para Stone e começamos a promover algumas sinergias comerciais importantes. Em 2022 também esperamos ganhar eficiência na Linx, melhorando sua rentabilidade e iniciando o projeto da plataforma única.
Valor: O que a Stone está fazendo para recuperar a confiança dos investidores?
Piau: Estamos fazendo um esforço conjunto para retomar rentabilidade com os ajustes de preço do produto da Stone e do Ton, retomar a oferta de crédito para nossa base de clientes e simplificar a gestão do nosso negócio durante 2022. Essa simplificação da gestão vai se refletir em uma forma mais objetiva e didática de reportar os nossos resultados nos próximos trimestres e assim esperamos ajudar os investidores na interpretação do nosso negócio e no entendimento de para onde estamos indo.
Valor: Ações de empresas de tecnologia estão caindo com a perspectiva de alta de juros nos EUA. A ‘bolha das fintechs’ estourou?
Piau: A resposta de políticas públicas que todos os governos tiveram durante a pandemia passou pela injeção de enormes montantes de liquidez na economia. Como os economistas previram, isso de fato permitiu uma retomada em “V”. No entanto, esses esforços têm contribuído para taxas de inflação em níveis bastante superiores aos pré-pandemia e, como consequência, as taxas de juros estão subindo fortemente em muitos países. Taxas de juros maiores penalizam valuations associados a fluxos de caixa que se materializarão no futuro, impactando mais empresas com múltiplos maiores. É matemático. Esse é o caso das companhias de altíssimo crescimento e, em particular, das fintechs. É natural, portanto, que haja um ajuste. Mas imaginar que as oportunidades associadas a prover serviços financeiros por meio de tecnologia estão se reduzindo é brigar com a realidade. No Brasil, por exemplo, open finance, registro de recebíveis e o próprio Pix são inovações regulatórias que geram mais espaço para provedores de tecnologia como a Stone, e isso significa um aumento de produtividade na veia. Ao longo do tempo, esse aumento de produtividade deverá ser muito maior que os movimentos que os juros podem impor.
Valor: Há exagero nessa correção de preços?
Piau: O efeito de aumento de juros sobre companhias de altíssimo crescimento é maior e não linear, mas a aplicação de tecnologia em serviços financeiros é um caminho sem volta e que tem um valor intrínseco enorme. Apesar do fenômeno das fintechs ser global, o Brasil é um dos países com maiores oportunidades no mundo, dada a combinação entre um mercado enorme e altíssimos níveis de concentração do setor bancário, e um arcabouço regulatório sólido.
Valor: O senhor acha que o investidor com foco em tecnologia será menos tolerante a prejuízos?
Piau: Com o aumento das taxas de juros em diversos países, os investidores naturalmente se tornam mais exigentes em relação à rentabilidade. Na medida em que as taxas de juros se estabilizarem, o mercado deve se acomodar. No Brasil, o impacto em fintechs foi significativo por conta da velocidade do aumento das taxas de juros e da evasão de investidores internacionais, que aconteceu em pouquíssimos meses.
Valor: Nesse novo cenário, algumas fintechs vão desaparecer, seja fechando as portas, seja via processos de consolidação?
Piau: O mercado de fintechs é muito plural e fragmentado, e a consolidação faz parte do amadurecimento. O avanço acelerado das tecnologias exigirá dessas empresas alta velocidade de transformação. Aquelas que não entregarem mais do que o cliente espera ou não acompanharem a evolução tecnológica podem dar espaço a novos players que surgem todos os dias. Mas o arcabouço regulatório criado pelo Banco Central do Brasil para viabilizar essa transformação setorial é exemplo para o mundo todo. Nesse aspecto, o Brasil deveria ser copiado.
Valor: O BC está debatendo uma nova regulamentação para instituições de pagamentos, na qual propõe aumentar as exigências de capital para as empresas de grande porte, como a Stone. Como o senhor vê essa possibilidade?
Piau: Acreditamos que a regulação deveria ser baseada não no porte da organização, mas na natureza da atividade em si. A Stone não oferece risco sistêmico como bancos, pois não usa depósitos de cliente para emprestar para outros. Numa grande cadeia de supermercados ou uma grande incorporadora, por exemplo, a despeito de serem grandes, ninguém imagina regular a estrutura de capital. A razão pela qual a regulação prudencial existe é porque a intermediação bancária, ou seja, a captação de depósitos ou instrumentos de dívida de curto prazo para empréstimos líquidos de mais longo prazo gera riscos que afetam terceiros. Há risco de corrida bancária e de contágio, com implicações para poupadores, atividade econômica e até para o Tesouro. Atividades de pagamento, como as da Stone, pelas restrições impostas, nada disso. Conceder crédito com capital próprio, como fazemos, tampouco. Portanto, não faz sentido aumentar as exigências de capital associadas a atividades de pagamento, que não geram os riscos das atividades de intermediação. Riscos diferentes, regulação diferente. De qualquer forma, a StoneCo tem um balanço forte e sólido.