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30/11/2021 - Mea culpa: No inferno astral da Stone, até o BTG joga a toalha

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Por Luiz Henrique Mendes | Pipeline, Valor Econômico

Os tropeços da Stone na concessão de crédito parecem estar longe de ser o único problema da companhia. Após erros de estratégia do management e uma dose de azar, a companhia de André Street mudou — para pior. Mesmo excluindo o negócio de crédito, a Stone é hoje muito menos rentável do que a boa e velha adquirente verde.

A constatação é do BTG Pactual, uma das casas que vinha dobrando a aposta no sucesso da Stone, mesmo diante das dificuldades dos últimos tempos. Em um relatório doloroso de ser escrito para fãs declarados do negócio, os analistas Eduardo Rosman, Thiago Paura e Ricardo Buchpiguel fizeram um mea culpa.

Numa tentativa de destrinchar os erros da Stone para avaliar o futuro pela frente, os analistas do BTG recolheram o buy que mantinham há um bom tempo, cortando as projeções para a companhia drasticamente. O preço-alvo, que estava em US$ 66, foi reduzido em dois terços, para US$ 22. Ainda assim, acima dos atuais níveis. Há pouco, o papel era negociado a US$ 16,54.

Diante de despesas operacionais mais pesadas — a integração da Linx e os investimentos para crescer pesam sobre as margens — e dos juros mais salgados no Brasil, as perspectivas para 2022 não parecem nada fáceis. O ambiente adverso levou o BTG Pactual a cortar as projeções para o lucro da Stone para 2022 e 2023 em 66% e 55%, respectivamente. Desde o pico, a Stone perdeu quase US$ 25 bilhões em valor de mercado e, atualmente, está avaliada em pouco mais de US$ 5 bilhões.

A retomada da área de crédito, depois dos problemas que levaram a provisões significativas no primeiro semestre, também deve ser mais lenta. Pelos cálculos do trio de analistas, a receita da Stone com crédito deve somar R$ 100 milhões em 2022, o equivalente a receita da área apenas no quarto trimestre do ano passado (como se viu depois, a rápida expansão do crédito em 2020 escancarou uma falha na avaliação da administração sobre modelo e ritmo).

Os analistas do BTG resistiram mais que outras casas a mudar de ideia sobre o desempenho potencial da Stone e o trio de analistas oferece algumas pistas no relatório da razão disso, a começar pelo histórico da cobertura. Quando começou a acompanhar o negócio, logo após o IPO — em outubro de 2018, a adquirente atraiu até Warren Buffett —, o momento para os adquirentes não era exatamente fácil.

Naquele momento, a americana Square caía 30% desde o pico e a Cielo tombara 20% em apenas duas semanas em meio à guerra de preços — a adquirente de Bradesco e Banco do Brasil havia cortado os preços em 30%. Mas o banco deu um voto de confiança para a operação da Stone que, a bem da verdade, se provou acertado várias vezes.

"Dar o benefício da dúvida se mostrou muito bom — num momento em que também estávamos aprendendo a cobrir ações de companhias de alto crescimento —, o que provavelmente ajuda a explicar porque estivemos tão errados sobre a ação neste ano", escreveram os analistas do BTG.

Com o início da pandemia, a companhia fez uma demissão de 20% do quadro, período em que as apostas foram continuamente renovadas pelo banco. O papel chegou a ser negociado a R$ 95 em meados do ano passado, com a companhia avaliada em US$ 30 bilhões.

Para justificar esse valor, investidores e analistas mais otimistas projetavam que a Stone poderia chegar a uma carteira de crédito de R$ 50 bilhões em menos de cinco anos. Esse número, que à luz dos resultados atuais, estava esticado, também se escorava na capacidade de gestão da Stone — o time era uma referência mundial para analistas e e investidores internacionais.

Mas a avaliação hoje é que a Stone deu um passo maior que a perna, num indicativo de que os gestores também confiaram demais no próprio taco. Ao invés de lançar o produto de crédito lentamente e deixar a maior parte do risco fora do balanço, a gorda rentabilidade do produto de crédito criou incentivos errados para administração e investidores, avaliam gestores.

Mesmo quando as primeiras dificuldades de crédito já apareciam, em 2021, os executivos se mostravam confiantes. Em junho, quando a Stone valia US$ 21 bilhões, um grupo de mais de 150 investidores participou de uma call com executivos da companhia, que transmitiram uma mensagem tranquilizadora: as provisões eram um evento não recorrente, recordam os analistas do BTG. No mês seguinte, quando o papel era negociado a US$ 17 bilhões, o CEO da Stone, Thiago Piau, fez uma nova conferência, anunciando que faria uma nova rodada de provisões.

Numa leitura retrospectiva, os analistas do BTG consideram que, diante da rentabilidade que então parecia promissora do produto de crédito, a Stone decidiu pisar no acelerador nas mais diversas frentes. De um lado, adotou uma agressiva política de preços na adquirência, na esperança de aproveitar o TPV mais volumoso para ampliar as concessões de crédito.

A companhia também fez investimentos orgânicos pesados, ampliando a equipe da TON (maquininha voltada para autônomos e profissionais liberais). Na frente de M&As, compraram uma fatia minoritária de 5% do capital do Banco Inter usando dívida — após o sell-off que derrubou as ações do banco da família Menin, a Stone precisou marcar o tombo a mercado, um impacto de R$ 1,38 bilhão no balanço do terceiro trimestre.

Recobrar a confiança dos investidores deve ser um dos desafios da empresa. Uma retomada operacional será lenta, com resultados que talvez apareçam daqui a dois anos. A considerar a estimativa de lucro de 2022, a Stone está cara, negociando a um múltiplo de 55 vezes, apontam os analistas em comparativo com os pares do setor.

Escaldados, os analistas do BTG ainda acreditam na melhora do negócio a partir de 2023, o que poderia recompor os lucros, trazendo múltiplos mais atrativos para 2023 e 2024 — com um P/E de 22 vezes e 24 vezes. A lição dos últimos meses, porém, é a cautela. "Vamos acompanhar a ação de perto e ficaríamos felizes em retornar ao BUY", concluem os analistas.

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