02/07/2020 - BC não vai negociar limite com Tesouro para comprar títulos
VoltarPor Valor Econômico | Alex Ribeiro
O Banco Central não terá que negociar com o Tesouro Nacional os montantes que pretende comprar em títulos privados no mercado, apesar de esse tipo de intervenção provocar aumento no déficit primário do setor público. Se o BC tivesse que obter aval da autoridade fiscal, em tese seria menor o poder de fogo de suas intervenções nesse mercado.
Anteontem, ao detalhar uma circular que disciplina as compras de títulos privados, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, disse que esse tipo de operação afeta três dos principais indicadores fiscais: o déficit primário, a dívida líquida e a dívida bruta.
O Valor questionou o Banco Central se, devido às implicações fiscais dessas medidas, a autoridade monetária vai negociar com o Tesouro os montantes que pretende adquirir, usando poder conferido pela Emenda Constitucional nº 106/2020.
Segundo o BC, essa emenda dispensa limitações legais quanto à ação que acarrete aumento de despesa. “A emenda prevê competência ao BC para a compra de títulos privados para o enfrentamento da calamidade pública nacional, sem necessidade de submissão ao Tesouro”.
Ainda assim, as intervenções do Banco Central no mercado de títulos privados são limitadas pelos seus possíveis efeitos fiscais. Se a autoridade monetária fizer compras muito grandes de títulos, os indicadores fiscais acompanhados de perto pelos investidores vão se deteriorar, o que poderá pressionar os prêmios de risco e a curva de juros futuros.
Dependendo do tamanho de um eventual programa de compra de títulos privados, os impactos fiscais podem ser relevantes. Em março, o BC destinou R$ 90 bilhões em empréstimos lastreados em debêntures para bancos que quisessem comprar esses papéis, cujo estoque pela posição mais recente soma R$ 516 bilhões. No fim, os bancos compraram apenas R$ 3 bilhões.
Um eventual programa de R$ 90 bilhões teria um impacto de 1,23 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) no déficit primário. Já uma intervenção de R$ 3 bilhões teria impacto de 0,04 ponto nesse indicador.
Devido ao arranjo institucional do Brasil, o Banco Central está numa situação diferente dos seus pares de países desenvolvidos. Neles, a compra títulos privados é considerada uma operação monetária, afetando os balanços dos bancos centrais. Essas intervenções só têm implicações fiscais se resultarem em prejuízo, que depois em geral deve ser coberto pelos respectivos tesouros.
O Banco Central ainda não revelou quando, em que circunstâncias e com quais montantes pretende intervir no mercado de títulos privados. Questionado anteontem sobre esses pontos, Serra afirmou que isso será definido posteriormente pela diretoria colegiada do BC.
A dúvida é se o Banco Central vê necessidade de intervir de forma imediata, dadas as condições atuais do mercado, ou se vai reservar o instrumento para momentos futuros de estresse, agindo de forma análoga ao que faz no mercado de câmbio.
Em tese, o BC pode reverter o impacto no deficit primário quando vender os títulos privados que tiver em carteira. Na prática, porém, bancos centrais ao redor do mundo têm enfrentado dificuldades em se desfazer de títulos de suas carteiras sem gerar novas instabilidades no mercado de dívida privada. O BC não apresentou até agora nenhum plano sobre como irá se desfazer de títulos eventualmente adquiridos.