18/06/2020 - BC pede informações sobre pagamentos com WhatsApp
VoltarPor Valor Econômico | Por Talita Moreira
A chegada do WhatsApp ao mercado brasileiro de pagamentos incomodou concorrentes, mas também despertou a atenção dos órgãos reguladores. O Banco Central (BC) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) solicitaram informações sobre o modelo de negócios aos participantes do acordo, apurou o Valor.
O Facebook, que controla o aplicativo de mensagens, lançou no Brasil sua primeira iniciativa mundial para permitir pagamentos e transferências por meio do WhatsApp. O processamento das transações será feito pela Cielo e, num primeiro momento, o serviço poderá ser acessado por portadores de cartões de crédito e débito do Banco do Brasil (BB), Nubank e Sicredi. As bandeiras Visa e Mastercard participam do acordo e, em breve, a Elo deve aderir à parceria.
A estreia da rede social em pagamentos já era aguardada pelos participantes desse mercado. Mesmo assim, traz uma evidente preocupação para eles. Nem tanto pelo serviço em si - menos inovador do que se poderia imaginar - mas porque representa o temido desembarque das “big techs” no setor financeiro. As gigantes de tecnologia assustam pelo tamanho e porque, diferentemente dos bancos, têm a simpatia dos usuários.
Com mais de 120 milhões de usuários no Brasil, o WhatsApp supera de longe a base de clientes de qualquer banco local. Portanto, o aplicativo tem potencial para se tornar o serviço de pagamentos digitais com maior escala no país. E isso enquanto o BC marca para novembro a estreia do Pix, sistema aberto de pagamentos instantâneos capitaneado por ele.
Segundo fonte que participou da construção da parceria, o serviço do WhatsApp será interoperável com o Pix. Mesmo assim, o natural é que boa parte das transações ocorra dentro da própria rede social - ou seja, além de onde a vista do Banco Central alcança.
Evitar que o mercado brasileiro seja dominado por grandes sistemas fechados de pagamentos, como os chineses WeChat e Alipay, foi um dos objetivos do BC ao desenvolver o Pix. A adesão a essa rede será obrigatória para as maiores instituições financeiras e de pagamentos, e a intenção é que ela seja integrada ao open banking, fomentando a competição. As transações poderão ser feitas a qualquer dia e hora, com liquidação imediata, e a expectativa do regulador é que sejam gratuitas ou de custo irrisório para o usuário.
Não por acaso, o regulador divulgou nota afirmando que avalia que há “grande potencial” para integração da iniciativa do WhatsApp ao Pix, mas “considera prematura qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos”. O BC informou que “vai ser vigilante a qualquer desenvolvimento fechado ou que tenha componentes que inibam a interoperabilidade e limite seu objetivo de ter um sistema rápido, seguro, transparente, aberto e barato”.
Procurado pelo Valor, o BC não se manifestou sobre os pedidos de informação aos participantes do acordo com o Facebook, rede social fundada por Mark Zuckerberg. O Cade afirmou que, até o momento, “não há nenhum processo público” sobre o assunto.
Um interlocutor a par do acordo disse ser natural que o BC faça perguntas sobre a parceria e que a novidade incomode concorrentes.
Nos setores financeiro e de pagamentos, os últimos dias foram de discussão sobre o papel que será desempenhado pelo WhatsApp, e se a rede social deveria ser regulada pelo BC. Uma interpretação que tem circulado é a de que o acordo representa um arranjo de pagamentos - de forma bem simplificada, é o nome que se dá ao conjunto de regras de um serviço de pagamentos. Se essa for a leitura do regulador, ele terá de ser autorizado pelo Banco Central.
Para outro grupo, o WhatsApp atuará como subadquirente, como são chamadas as empresas que usam as redes das credenciadoras para oferecer serviços de pagamento aos lojistas. Nesse caso, a credenciadora à qual está ligada é responsável por ela perante o BC. Uma terceira vertente vê o WhatsApp como iniciador de pagamentos, ou seja, quem dá o comando para uma transação. Essa é uma figura inexistente hoje, mas prevista nas regras do open banking.
Há ainda quem considere o acordo fechado pelo Facebook com as empresas locais como um trampolim para entrar no mercado e, no futuro, prestar o serviço sozinho. A rede social chegou a se aproximar também de outras instituições financeiras e de pagamentos, e algumas não aderiram à parceria, por ora, pelo receio de se tornarem “barrigas de aluguel”, usadas agora e dispensadas mais para a frente.
Em contrapartida, uma fonte que participa da construção do Pix disse ver o WhatsApp simplesmente como um novo participante do setor de cartões, já que usará essa infraestrutura, só que com uma roupagem nova e mais amigável.
A parceria deu impulso às ações da Cielo, que subiram 23% nesta semana, refletindo a visão de que a credenciadora, controlada por Bradesco e Banco do Brasil (BB), saiu na frente após anos sob ataque da concorrência. A Cielo não tem exclusividade, mas fonte próxima à empresa disse que o acordo lhe dá garantia de permanência por um prazo longo.
Em relatório a clientes, o banco Plural levantou a hipótese de o acordo desembocar na venda, para o Facebook, da fatia do BB na Cielo. Porém, segundo fonte próxima aos acionistas, essa possibilidade não foi discutida.
O WhatsApp informou ao Valor, por meio da assessoria de imprensa, que compartilha “a visão do Banco Central sobre o futuro dos pagamentos instantâneos, open banking e as oportunidades que ele cria para a competição e a inovação no ecossistema financeiro do Brasil”, e que mantém diálogo aberto com as autoridades.
“Esperamos trabalhar com o Banco Central e nossos parceiros no Pix e já estamos avaliando a melhor maneira de avançar quando ele estiver disponível. Queremos que os pagamentos alcancem todos os usuários do WhatsApp no Brasil e achamos que o Pix será uma ótima maneira de ajudar a expandir a cobertura para todos”.
A companhia disse não ter intenção de se tornar uma instituição de pagamentos. Questionada se pretende ser um iniciador de pagamentos, afirmou que os regulamentos que definem esse papel ainda não foram estabelecidos. “Cumpriremos todos os regulamentos aplicáveis. Queremos firmar parcerias com uma ampla variedade de instituições financeiras brasileiras para ajudar os brasileiros a transferir dinheiro facilmente de uma conta bancária para outra e também fazer pagamentos para pequenas empresas.” (Colaborou Flávia Furlan).