23/04/2020 - Plataformas abrem canal para reduzir os prejuízos
VoltarPor Valor Econômico | Anaïs Fernandes
Havia apenas uma semana que a Casa Madal, um espaço para meditação com bistrô e loja de produtos naturais na zona sul de São Paulo, estava funcionando quando autoridades locais determinaram o fechamento de serviços não essenciais para conter o novo coronavírus. Foi um susto para Juliana Francisco, sócia e idealizadora do pequeno negócio.
Operando com colaboradores terceirizados, a folha de pagamento é uma preocupação a menos para ela, mas há gastos fixos, como aluguel e um financiamento para bancar parte do investimento de R$ 80 mil. “Foi um choque, passamos um ano planejando e não contemplamos isso”, afirma.
Em busca de ajuda para enfrentar essa fase, Juliana se cadastrou na plataforma “Compre dos pequenos”, criada pela Cora, banco digital voltado aos empreendedores. Com o cadastro no site, pequenos empresários podem vender seus serviços e produtos para serem utilizados futuramente, por meio de vouchers, mas o dinheiro entra imediatamente na conta da empresa na Cora, que não tira lucro nenhum da operação.
A solução surgiu a partir do diagnóstico da Cora de que, para “passar dessa tormenta vivo”, o pequeno empreendedor precisava diminuir custo e aumentar receita. “Só que, para a empresa A diminuir o custo, ela vai ter que renegociar com a B, que precisa baixar preço com a C e aí você entra em uma espiral negativa. Entendemos que a solução tinha que ir para garantir receita”, diz Igor Senra, um dos fundadores da Cora.
Juliana diz que já vendeu cinco vouchers, o que pode parecer pouco, mas, em valores, foram contribuições significativas, ela afirma. “É um momento muito duro, todos os nossos clientes estão sofrendo. Isso nos ajudou a entender que tínhamos que mudar um pouco nosso foco, a direção e tentar encontrar um caminho mais eficiente para essa situação”, diz Senra.
No fim, a iniciativa ajuda a sustentar a operação da própria Cora. “Não adianta ter uma empresa incrível e não ter mercado. Estamos também em um senso de autopreservação, porque se o nosso cliente não existir, a empresa não tem razão de ser”, afirma Senra. Segundo ele, há cerca de 2.000 pequenos empreendedores cadastrados no site.
A fintech de carteira digital PicPay zerou, a princípio, até o fim de abril as taxas cobradas por recebimento de pagamentos para os usuários do serviço PicPay Empresas, focado em pessoas jurídicas com pontos de venda físicos. No primeiro trimestre, a PicPay abriu, em média, 500 mil contas por mês, mas apenas nos 13 primeiros dias deste mês já somou um milhão e meio de novos cadastros, aproximando-se de 18 milhões de usuários. Gueitiro Genso, presidente do PicPay, diz que o crescimento da plataforma já era esperado antes mesmo da crise, mas afirma também que o momento é especialmente sensível.
“Já nascemos com esse propósito de conectar pessoas, empresas e percebemos que, em um momento como este, a plataforma era para receber todo mundo mesmo. Aceleramos algumas soluções e fizemos ajustes pontuais para dar suporte a essa nova forma de se relacionar”, afirma. A PicPay acaba de lançar, por exemplo, o link de pagamento, uma solução para estabelecimentos fazerem cobranças a distância.
Em outra frente, plataformas com serviços que auxiliam no dia a dia dos pequenos negócios estão abrindo parte de seus conteúdos e prestando mentorias. A Mobills, de gerenciamento financeiro pessoal on-line, liberou conteúdos por 30 dias e abriu para todos os usuários sua funcionalidade “premium” de planejamento financeiro no mês de abril - para o microempreendedor individual (MEI), a liberação vale por dois meses. “As pessoas podem até ficar um pouco menos interessadas porque o foco está na questão da saúde, mas esse é o momento crucial para refletir sobre sua vida financeira”, diz Carlos Terceiro, presidente-executivo da Mobills.
Proprietário há dez anos de uma ótica na zona sul de São Paulo, Claudinei Casellatto já imaginava a importância de ter um serviço de entregas, tanto que batizou sua loja de Ótica Delivery. Durante a quarentena, a demanda por lentes em pedidos via internet ou telefone aumentou, mas, segundo Casellatto, esse é um produto que não oferece margem e, mesmo tendo autorização para continuar com as portas abertas, viu o fluxo de pessoas na loja cair 90%. Com ajuda da mentoria da Cecop, comunidade global de óticas independentes com 4.500 associadas (1.200 no Brasil), pensou em ações práticas para ter uma atitude mais proativa. “Eles fizeram projeções explicando os impactos de uma ótica fechada por três meses e consegui extrair ideias para não ficarmos trabalhando da mesma forma. Estamos acostumados a esperar a pessoa vir até a loja, mas agora começamos a enviar vídeos para os clientes por WhatsApp. Descobrimos uma ferramenta que ajuda a transformar o Instagram em um e-commerce”, conta Casellatto.
Com mentorias de 15 minutos, Rafael Rodrigues, diretor da Cecop Brasil, diz que já atendeu cerca de 30 óticas independentes. “É um momento difícil de caixa para elas, mas uma ótica pequena não é um negócio tão complexo. O varejo independente pode até sofrer mais em um primeiro momento, mas sabendo que ações tomar, ele consegue se ajustar rápido para passar por isso”, afirma.
O risco das pequenas empresas é elevado. Dependendo do setor, o empreendedor tem entre 15 dias e dois meses de caixa, diz Igor Piquet, diretor de aceleração de negócios da Endeavor. “Várias plataformas estão criando jeitos inovadores de ajudar seus clientes sem ser, necessariamente, filantropia, porque quem trabalha com plataforma sabe que depende do sucesso em todas as pontas, então tem uma questão de manter os parceiros vivos. Se a empresa já não está fazendo isso por cidadania, no mínimo, pode pensar que é uma oportunidade de negócio. No futuro, ela sai com mais clientes e confiança na marca e no produto.”