Museu do Cartão de Crédito

03/11/2014 - "Os bancos não sobreviverão às novas tecnologias"

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Por Natália Flach | IstoÉ Dinheiro | Edição nº 889, ano 17

Philip Heasley, presidente mundial da ACI Worldwide Payment Systems ( foto: Claudio Gatti)

Apenas dois dos 20 maiores bancos americanos que operavam nos anos 1980 permanecem em atividade. O morticínio decorreu da incapacidade de as instituições financeiras se adaptarem à tecnologia disruptiva dos cartões de crédito e débito. Atualmente, seis anos após a crise do subprime, crescem os riscos de a história se repetir, tanto pela inovação incessante quanto pela entrada de gigantes da tecnologia, como o Google, no processamento de pagamentos online. Para combater essa onda, os bancos vêm buscando ficar mais próximos de seus clientes finais, eliminando intermediários financeiros.

Na Europa, os cartões private label, emitidos por lojas, estão voltando com força e nos Estados Unidos a estratégia passa por parcerias com varejistas. “É uma guerra para os intermediários e um processo inevitável para os bancos”, diz Philip Heasley, presidente da ACI Payment Systems. Ele sabe o que fala. Seus clientes incluem 250 varejistas globais e 21 dos 25 maiores bancos do mundo. Sua empresa processa US$ 13 trilhões em pagamentos por dia, mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) americano. No Brasil, cinco dos dez maiores bancos e as principais redes de processamento de cartões trabalham com a ACI.

DINHEIRO – Após a crise, os bancos parecem estar mais fortes do que nunca, mas o sr. diz que eles estão sendo ameaçados. Por quê?
PHILIP HEASLEY – Principalmente por causa das novas exigências dos clientes. Quando eu era jovem, costumava usar cheque e usava o canhoto para anotar as despesas. Agora, todo mundo usa caixas eletrônicos ou checa a sua conta online. O que os clientes mais querem é poder pagar contas em sua moeda, seja um cartão, seja um celular, em qualquer lugar do mundo, sem riscos e com custo baixo. A conectividade e a conveniência são muito importantes. Por isso, a tendência é que as economias fiquem cada vez mais abertas e que as transações aconteçam cada vez mais rapidamente. Para os bancos e para as autoridades reguladoras, transferências em tempo real trazem um benefício muito grande, que é a redução do risco de fraude. No entanto, essa rapidez exige investimentos pesados em tecnologia. Alguns países da Ásia nunca tiveram acesso a sistemas como esses e estão tentando construir tudo do zero. Os países da Europa estão derrubando os seus muros financeiros e regulatórios e estão se conectando em uma Europa única. A tendência mundial é evoluir de sistemas velhos e lentos para outros mais rápidos.

DINHEIRO – Por que essa evolução tecnológica é uma ameaça para os bancos?
HEASLEY – O sistema como um todo tem problemas. A tecnologia dos smartphones e tablets permite efetuar compras online, mas o cartão de crédito pode levar até três dias para liberar a transação. Isso significa que o consumidor pode receber o produto em casa antes de o cartão processar o pagamento, o que mostra que há algo errado. O maior gargalo é provocado pela deficiência de infraestrutura, mas isso está prestes a mudar, e essas mudanças não serão lideradas pelos bancos, mas por empresas de meios de pagamento.

DINHEIRO – Qual é o impacto disso sobre o sistema?
HEASLEY – Para se defenderem, os bancos buscam ficar mais perto dos seus clientes e eliminar os intermediários da cadeia de pagamentos. Estamos assistindo a uma corrida que vai mudar tudo o que conhecemos. Algumas empresas vão conseguir mudar o seu perfil e sobreviver. Outras não. É uma guerra do ponto de vista dos intermediários e um processo inevitável vendo pelo lado dos bancos. Todas as vezes que surge uma tecnologia disruptiva, capaz de destruir os negócios que conhecemos, algumas empresas se reinventam e outras sucumbem. Isso já ocorreu antes.

DINHEIRO – Quando?
HEASLEY – Quando os cartões de débito e de crédito se tornaram produtos de massa nos Estados Unidos, durante a década de 1980, o país enfrentava uma crise imobiliária. Dos 20 maiores bancos americanos apenas dois sobreviveram, o Citicorp e o New York Chemical Manufacturing Company, que hoje se chama JP Morgan Chase. Todos os outros quebraram, porque acreditaram que eram poderosos demais para falir. Estamos saindo agora de outra crise no mercado imobiliário e os presidentes dos bancos se lembram muito bem do que aconteceu há 34 anos, por isso estão menos resistentes à mudança. Um dos maiores banqueiros americanos me disse “eu tenho 20% dos consumidores dos Estados Unidos e apenas 3% do negócio de intermediação, por isso estou disposto a abrir mão do intermediador se eu puder atingir diretamente o consumidor, pois essa relação é muito valiosa”.

DINHEIRO – Isso quer dizer que os bancos planejam lançar bandeiras próprias? Como esse movimento deve mudar os negócios?
HEASLEY – Os grandes bancos estão começando a questionar se precisam mesmo de Visa e Mastercard, visto que atendem 10% ou 15% dos clientes do país. Por que não usar suas próprias marcas? Há um bom exemplo na França, o sistema Carte Bleue (cartão de pagamentos lançado por seis bancos franceses em 1967 e que atualmente tem 32 milhões de cartões, emitidos por 37 bancos). Como os bancos queriam que ele fosse um plástico aceito internacionalmente o transformaram em um Visa. Agora, querem voltar ao sistema antigo, pois poderão fazer todas as transações rapidamente e sozinhos. Há movimentos semelhantes na Ásia e na Austrália. Outro movimento vem de parcerias de bancos diretamente com varejistas. Essas empresas não têm margens muito grandes, então, se conseguirem 0,5% nas vendas já é algo enorme. Por isso os bancos estão oferecendo suas marcas (private labels) diretamente para os varejistas, que hoje aceitam Visa e Mastercard.

DINHEIRO – Qual é o papel da regulação nesse cenário?
HEASLEY – Quando Visa e Mastercard foram inventadas, a tecnologia era manual e muito mais cara. Essas empresas cobravam taxas elevadas para processar cada transação, e isso virou um monopólio legalizado. Ou seja, o preço se mantinha estável. Foi então que os reguladores entraram para mudar esse cenário e determinaram que as taxas fossem reduzidas. Com isso, havia um incentivo para que fossem adotadas novas tecnologias para aumentar as margens.

DINHEIRO – Com tantos casos de fraudes nos últimos anos, os bancos estão mais seguros?
HEASLEY –
Acho que os bancos estão mais seguros, até porque estão mais saudáveis do que antes da crise financeira. Porém, sempre vai haver uma batalha entre quem quer roubar os bancos e quem quer protegê-los. Qualquer movimentação de dinheiro, seja em papel moeda, seja em cheque ou eletrônica, é um alvo potencial de desvio ou de fraude. O problema é que muitos países têm feito vista grossa para roubos que acontecem fora de suas fronteiras. Isso se transformou em um problema de soberania.

DINHEIRO – Um dos argumentos da indústria de meios de pagamento é que as transações eletrônicas facilitam a inclusão bancária. Estima-se que 40% da população brasileira não tenha conta em bancos. O que pode ocorrer no futuro?
HEASLEY –
Nos Estados Unidos, o sistema financeiro é bem desenvolvido e lá 25% das pessoas não têm conta em banco. Isso mostra que o Brasil não está tão atrás assim. O que acontece lá é que o processo de inclusão bancária tem tido uma grande participação do varejo. O Walmart, que é um grande varejista, está fornecendo cheques para os clientes que não têm conta em banco, aumentando assim o seu poder de compra. Por quê? Para concorrer com a Amazon, que tem facilitado muito para as pessoas comprarem. Agora, pense nas mudanças que podem ocorrer com uma empresa como o Google, que tem informações sobre varejistas e consumidores, possui uma grande competência técnica e capacidade operacional. É certo que a empresa adoraria ligar vendedores e compradores sem ter de passar pelos bancos.

DINHEIRO – O sr. acredita que os não bancarizados vão passar a fazer compras pelo celular sem passar pelos bancos?
HEASLEY –
Acho que ainda estamos em um estágio inicial de desenvolvimento deste mercado. Os varejistas vão liderar esse movimento ao fazer parcerias com empresas, como a Apple, para vender os seus produtos.

DINHEIRO – Como sua empresa está nesse contexto e quais são os mercados que ainda não são muito explorados?
HEASLEY –
Somos uma empresa de meios de pagamento, estamos por trás das transações por celular, internet e na proteção contra fraude. Nós prestamos serviços para as companhias que não querem investir em tecnologia. Aí podemos processar os pagamentos por elas. Não fazemos isso no Brasil, mas é algo que podemos passar a oferecer.

DINHEIRO – Quem são os seus clientes?
HEASLEY –
Se olhar a lista das 500 maiores empresas dos Estados Unidos, quase todas são nossas clientes, nomes como Visa, Mastercard, Apple, McDonalds. Atendemos 17 dos 20 maiores varejistas do mundo. Também temos negócios com 1.500 pequenos bancos, mas o nosso foco são os grandes. Cerca de 40% das nossas receitas vêm dos Estados Unidos e o restante de outros países.

DINHEIRO – Qual é a sua atuação no Brasil?
HEASLEY
– Chegamos ao Brasil, em 1996. Nesse ano, o País tornou-se nossa maior operação na América Latina. Isso nos levou a uma mudança de estratégia. Antes, administrávamos os negócios a partir de Miami, mas percebemos que era preciso ter uma base local. Tivemos de contratar mais pessoas, e atualmente temos escritórios na Colômbia, no México e na Argentina. Esperamos que o maior crescimento da América Latina venha do Brasil. Apesar dos altos e baixos, o País está no caminho certo. Tem ficado mais fácil para os estrangeiros fazerem negócios aqui.

DINHEIRO – O desempenho econômico brasileiro mais fraco pode afetar os resultados?
HEASLEY –
Não acho que vai haver qualquer impacto. Existem muito mais oportunidades do que riscos. Os bancos brasileiros vão se dar bem aqui e na América Latina. Hoje, as instituições financeiras americanas estão usando nossa tecnologia para que os clientes possam fazer compras com o seu smartphone e isso é uma tendência que podemos expandir para todo o mundo muito rapidamente.

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