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10/10/2023 - Como bancos, maquininhas e bandeiras faturam com cartões

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Mariana Ribeiro e Álvaro Campos | Valor Econômico

Com aprovação, pelo Senado, do projeto de lei que limita o rotativo dos cartões de crédito, os bancos correm contra o tempo para apresentar uma solução para reduzir as taxas de juros da modalidade. Os emissores têm 90 dias para propor um novo desenho. Do contrário, a cobrança não poderá ultrapassar 100% do valor principal da dívida.

Uma solução definitiva, no entanto, passa por mexer num mercado em que há subsídios cruzados e participantes com interesses antagônicos - como ficou visível nas discussões sobre o rotativo ao longo dos últimos meses.

O mercado de cartões tem uma dinâmica complexa que envolve múltiplos repasses entre emissores (bancos e fintechs), credenciadoras (as “maquininhas” de cartão), lojistas e bandeiras. E qualquer alteração nesse desenho tem potencial de afetar o equilíbrio já sensível de remuneração. A disputa levou o setor a um clima de guerra e se tornou ainda mais acirrada com a inclusão do parcelado sem juros nos debates, tema que há tempos opõe segmentos da indústria.

Acompanhar a discussão - que tem movimentado empresas, governo, Banco Central (BC) e Congresso - passa por entender como cada elo da cadeia ganha dinheiro e, portanto, o que está em jogo.

Toda vez que alguém faz um pagamento com cartão de crédito, há uma série de repasses envolvidos, invisíveis para o cliente. Os lojistas pagam às empresas de “maquininhas” o MDR, uma taxa de desconto. Um componente dessa receita remunera o banco emissor do cartão: a chamada tarifa de intercâmbio, definida pelas bandeiras (Mastercard, Visa, Elo etc).

Há diferenciação no intercâmbio a depender da natureza do produto adquirido e do número de parcelas. Hoje, há um teto estabelecido pelo BC para o intercâmbio de débito e pré-pagos, mas não para o crédito.

Outra fonte de receita dos emissores são os juros em si, cobrados quando o cliente não paga a fatura na data do vencimento. De acordo com os dados mais recentes do BC, a taxa cobrada no cartão de crédito rotativo estava em 445,7% ao ano em agosto. Desde 2017, no entanto, o uso da modalidade está restrito a 30 dias, depois disso o saldo precisa ser parcelado pela instituição em condições mais vantajosas ou é pago pelo cliente. O prazo médio de permanência do consumidor no rotativo é de cerca de 18 dias - assim, os bancos alegam que, na prática, ninguém paga os 445,7%. No parcelado, os juros estavam em 194,5% ao ano, na média.

“Teto de 100% de juros no rotativo é estranho e definição antieconômica”

— Boanerges Freire

Há ainda a receita proveniente do “floating”, o rendimento que o emissor obtém ao aplicar o dinheiro no intervalo entre receber o pagamento do cliente e repassá-lo ao estabelecimento onde foi feita a compra. Os bancos podem ainda ser remunerados por tarifas cobradas dos clientes pelo uso do cartão de crédito, a chamada anuidade. Com o aumento da competição nesse mercado nos últimos anos, no entanto, principalmente após a entrada de fintechs no segmento, essa receita vem perdendo espaço.

Boanerges Freire, da Boanerges & Cia Consultoria, diz que o setor de cartões brasileiro tem diversas jabuticabas, como o prazo de 27 dias para os bancos pagaram os lojistas (no resto do mundo, a prática é dois dias), o fato de o instrumento ser utilizado muito mais como meio de pagamento do que como oferta de crédito, e o famoso parcelado sem juros. Ele diz que alterar o sistema é muito complexo e o prazo de 90 dias não deve ser suficiente. “Esse teto de 100% de juros é estranho e uma definição antieconômica, porque não leva em conta o prazo em que pode ser aplicado. ”

Tantos bancos quanto adquirentes repassam parte do que ganham nas transações às bandeiras e há reclamações de ambas as partes sobre falta de transparência nos valores cobrados. Recentemente, o diretor de organização do sistema financeiro do BC, Renato Gomes, afirmou que a autoridade monetária estuda “disciplinar a cobrança” dessas tarifas, chamadas de “fees” de bandeiras.

Como as bandeiras são as instituidoras dos arranjos de pagamento, são elas que definem as regras gerais. No entanto, dentro desse escopo, os outros elos definem como atuar. Assim, quando um cliente faz uma compra, quem define em quantas parcelas ele pode dividir é o banco. Portanto, os bancos até poderiam decidir não oferecer mais o parcelado sem juros, que julgam criar distorções no mercado. Porém, não o fazem por uma questão de competição, e também pelo impacto que a medida teria no consumo.

Do lado dos custos, os bancos relacionados aos cartões, também têm aqueles relacionados a programas de fidelidade, mecanismo importante de retenção de clientes. Os emissores alegam que as tarifas de intercâmbio cobrem os custos relacionados aos cartões, mas não geram lucro relevante.

A Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag) divulgou recentemente estudo da Campos & Ribeiro de Lucinda Consultoria segundo o qual a rentabilidade de toda a operação de emissão de cartão de crédito, considerando os adimplentes, o rotativo e o parcelado com juros é estimada em 29%. “A tarifa de intercâmbio é substancialmente maior para transações no parcelado, do que no crédito à vista - sendo mais do que suficiente para remunerar risco do emissor”. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) rebate: “O parcelado sem juros é deficitário e exige o subsídio cruzado das compras à vista. Maior o prazo, maior o subsídio”.

"Toda vez que alguém faz pagamento com cartão de crédito, há uma série de repasses envolvidos."

Isso porque o parcelado sem juros é oferecido pelo lojista no ato da compra sem que o banco emissor possa fazer uma análise do risco de crédito daquele cliente naquele momento. O estabelecimento define uma facilidade para garantir a venda sem saber se o comprador conseguirá honrá-la. E, em caso de inadimplência, quem paga a conta para o lojista – e fica com o prejuízo - é o banco. Esse é um dos principais fatores que pressionam a taxa de juros do rotativo.

E o que aconteceu nos últimos anos é que, com a multiplicação dos cartões por bancos e fintechs, as pessoas foram “empilhando” parcelas. Ao mesmo tempo, os prazos de parcelamento aumentaram. Com isso, mais gente foi para o rotativo e a taxa da modalidade subiu mais ainda. Uma crítica que se faz aos bancos é que eles emitiram muitos cartões nos últimos anos e são eles que definem o limite de cada cliente. Portanto, poderiam ter reduzido esse limite ao ver que a capacidade de pagamento estava ameaçada.

Do lado das credenciadoras, a remuneração funciona da seguinte maneira. Uma parte da MDR fica com elas - é a diferença após os repasses para emissores e bandeiras. As empresas de maquininhas têm algum poder sobre essa receita porque definem quanto será cobrado do lojista. Há anos, no entanto, o mercado de adquirência vem se tornando mais competitivo, o que reduziu as taxas, e as credenciadoras trabalham com margens mais apertadas.

Em compensação, outra fonte de receita para as credenciadoras foi ganhando importância com o crescimento da indústria: a antecipação dos recebíveis de cartão que o lojista tem para receber. Segundo dados do BC, em agosto a taxa média dessa antecipação estava em 16% ao ano. Quanto mais longo é o parcelamento da compra, mais cara é a operação para o lojista. Embora a antecipação custe para o estabelecimento, a linha ainda é mais barata do que outras disponíveis para empresas. No caso do capital de giro, por exemplo, os juros são de cerca de 22% ao ano.

O parcelado sem juros adiciona mais complexidade à organização da cadeia. De um lado, bancos alegam que a modalidade é uma “jabuticaba” e que o risco de inadimplência do cliente é assumido exclusivamente pelos emissores. De outro, credenciadoras independentes afirmam que não há relação entre a forma de parcelamento e os altos juros do rotativo. Para elas, o excesso de oferta de crédito pelos bancos nos últimos anos é o principal fator por trás das taxas. Afinal, são os emissores (bancos) que definem para quem conceder o cartão, e com quanto de limite.

Os emissores afirmam que o alto volume de pagamentos à vista dentro da carteira de cartão distorce o sistema. Em agosto, 74% do saldo do cartão estava na modalidade sem cobrança de juros. Eles argumentam que, em outros países, essas proporções são inversas e que nos Estados Unidos, por exemplo, menos de 30% do saldo é financiado sem juros.

As adquirentes afirmam que o perfil do parcelamento sem juros não se alterou na última década e que o número médio de parcelas permanece abaixo de quatro. Segundo dados do BC, cerca de 50% dos valores transacionados por meio do cartão de crédito são pagos em uma prestação. Elas acrescentam ainda que o que aumentou no período foram a concessão de crédito e a quantidade de cartões, gerando “inadimplências recordes”.

 

 

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