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14/08/2023 - Campos desagrada varejo, credenciadora e emissor menor na discussão do rotativo

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Por Mariana Ribeiro e Álvaro Campos | Valor Econômico

Credenciadoras, varejo e emissores de cartões de menor porte foram pegos de surpresa com as declarações do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre a possibilidade de mudanças na dinâmica do cartão de crédito, com o fim do rotativo e consequente alteração no parcelado sem juros. A avaliação de executivos dessas companhias é a de que o regulador privilegiou os argumentos de grandes bancos na discussão, desconsiderando as complexidades da cadeia e o potencial impacto de medidas dessa natureza sobre o consumo.
 
Participantes da indústria ouvidos pelo Valor na condição de anonimato não se opõem à extinção do rotativo, mas são contra atrelar a mudança à limitação do parcelado sem juros. Eles defendem que os grandes bancos, incluindo o Nubank, estão aproveitando a discussão para emplacar o posicionamento histórico do setor de que o parcelado sem juros causa distorções no sistema e de que os riscos são assumidos apenas pelos emissores. Empresas de “maquininhas” e outros participantes do segmento de pagamentos discordam do argumento.
 
Na quinta-feira, Campos afirmou que a saída que está sendo construída para os juros do cartão de crédito é acabar com o rotativo, que seria substituído por um parcelamento da dívida com juros de até 9% ao mês. Isso, de acordo com ele, seria acompanhado por “algum tipo de tarifa para desincentivar esse parcelamento [de compras] sem juros tão longo”. Um dia depois, acrescentou que levou um “puxão de orelha” por ter falado sobre a proposta.
 
Alternativas para o rotativo estão em discussão entre o setor privado, o governo, o BC e o Congresso por causa das altas taxas juros da modalidade, que estão em média em 437% ao ano. Esses juros altos, por sua vez, são um reflexo da inadimplência da linha, que supera os 50%.
 
Representantes de credenciadoras e emissores menores afirmam que o fim do rotativo não causaria perda substancial de receitas para bancos, uma vez que o prazo longo do parcelamento compensaria, com o passar do tempo, os ganhos menores no curto prazo. “A medida endereça corretamente o problema dos juros altos. O que é um absurdo é buscar algum tipo de compensação via parcelado sem juros. Compensação para que, se a conta fecha?”, questiona um interlocutor do setor.
 
Uma fonte afirma que essa possibilidade não tinha surgido nas reuniões que mantém com o Banco Central. As discussões, segundo fontes, têm se concentrado em um grupo pequeno, formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo presidente do BC e pelos CEOs de Itaú, Bradesco, Santander e Nubank.
 
Alguns participantes da indústria veem, ainda, problemas concorrenciais na forma como o assunto vem sendo conduzido, com, segundo eles, pressão dos bancos, inclusive, sobre as bandeiras. “É um movimento no mínimo estranho. Bancos se juntarem e tentarem levar adiante um movimento coordenado que proíbe todo mundo de oferecer parcelamentos mais longos sem juros, sendo que hoje ninguém é obrigado a oferecer. Já há livre concorrência”, diz um executivo.
 
Os grandes bancos alegam que, no parcelado sem juros oferecido pelo varejo, o risco de crédito é assumido por eles, enquanto a decisão de financiar o cliente e com que prazo fica a cargo dos lojistas. Com isso, afirmam, gera-se um desequilíbrio no setor. Ao Senado, na quinta-feira, o presidente do BC destacou que o número de parcelas vem aumentando e agora a média está em 13 prestações.
 
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), também é veementemente contra a ideia de que os bancos precisam ser compensados de alguma forma no caso do fim do rotativo. “Somos a favor de acabar com o rotativo, mas sem aleijar o parcelado sem juros. Tem banco aí dando lucro bilionário, com rentabilidade de 35%, 40%, e eu, um pequeno bar, tenho que protegê-los?”, questiona.
 
Ele aponta que os próprios bancos reconhecem que houve uma oferta excessiva de cartão de crédito nos últimos anos e diz que a alta inadimplência no rotativo é fruto também desse crédito mal concedido. “Se impor um teto de juros levará a uma queda nos cartões, será que isso é uma coisa tão ruim assim? Eles mesmos dizem que existe uma sobreoferta”, afirma.
 
Solmucci argumenta ainda que a fala de que somente os bancos arcam com todo o risco no parcelado sem juros não é verdadeira, já que nessas compras o intercâmbio no cartão é maior do que o cobrado em transações à vista. “Sem o parcelado sem juros, o pequeno varejo não tem alternativa de crédito para o cliente. Vai acabar concentrando só em poucas grandes redes.”
 
A Associação Brasileira de Internet (Abranet) também se posicionou de forma contrária à proposta. “Os ruídos de mudança na compra parcelada causaram muita preocupação e o setor está se organizando para divulgar uma posição contrária às propostas que afetem a forma de pagamento”, diz Carol Conway, presidente da entidade.
 
A Abranet afirma que os grandes bancos já tentaram, no passado, acabar com o parcelado sem juros e que, agora, buscam “encarecer e limitar” o instrumento, “cobrando mais taxas quanto mais parcelado for o pagamento e diminuindo a quantidade de parcelas disponíveis para o consumidor”.
 
“Na prática, significa reduzir e com o tempo acabar com o parcelado sem juros”, diz a associação. “A entidade defende a livre concorrência e repudia a tentativa de extinção, taxação ou alteração da forma de pagamento.”
 
Uma fonte com conhecimento das discussões argumenta que, no cartão de crédito, não há competição em termos de taxas de juros — somente prazos e limite — e que essa é uma falha de mercado que justificaria uma intervenção das autoridades. “Os bancos não são obrigados a oferecer o parcelado sem juros. Eles oferecem porque a competição é feroz e querem manter o cliente, que é muito lucrativo para eles, em várias dimensões. Ao pedir que se limite o parcelado sem juros, na realidade eles querem limitar a competição”, afirma.
 
Para esse interlocutor, limitar o parcelado sem juros a três ou seis parcelas não vai resolver o problema e, mesmo assim, não  “Os bancos estão muito acostumados com esse argumento de terrorismo, que se o governo intervir vai acabar levando a um racionamento de crédito. Eu duvido.”
 
Heverton Peixoto, presidente do Grupo Omni, é contra acabar com o rotativo. “Problemas complexos não são resolvidos com soluções simplistas. Não é colocando teto de juros, proibindo rotativo, que vai resolver. A solução passa por ume evolução da nossa economia e pela educação financeira. Governo, BC, Congresso e o setor deveriam estar trabalhando para a criação de mais soluções de crédito, facilitar o acesso, aumentar a competição. É isso que, em última instância, vai levar a uma redução dos juros no cartão”, diz.
 
Na tabela de taxas compilada pelo BC, a Omni aparece com o terceiro maior juro no rotativo em todo o mercado, de 953,96% ao ano. Peixoto, no entanto, afirma que cartão de crédito não é o foco do grupo e que essa taxa fica “distorcida” em função do perfil do cliente, que não é correntista e de pessoas que normalmente não têm acesso a crédito. “Esse mix acaba nos penalizando, parecendo que é o cartão com juros mais alto. Mas a parcela de clientes que entra no rotativo é muito baixa, a gente sempre trabalha para eles não irem para o rotativo. E com dois cliques eles consegue parcelar isso. Enfim, é um volume muito baixo de rotativo e mesmo que fosse extinto teria um baque muito pequeno para nós.”
 
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apenas reforçou o posicionamento divulgado após a fala de Campos Neto, na quinta-feira, afirmando que é necessária uma diluição dos riscos entre os elos da cadeia. “A Febraban busca uma solução construtiva que passe por uma transição sem rupturas, que pode incluir o fim do crédito rotativo e um redesenho das compras parceladas no cartão.”
 
A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) disse que está concluindo seus estudos e “buscando encontrar alternativas que possibilitem a prática de taxas de juros no rotativo cada vez menores para apresentar, ainda neste mês, ao Banco Central”.
 
Visa e Elo não comentaram sobre possíveis conversas com os bancos sobre rotativo. Mastercard disse apenas que, “como gestora do arranjo, mediadora e comprometida com o equilíbrio do ecossistema de meios de pagamento, tem falado continuamente com os bancos, adquirentes, regulador e Abecs para contribuir com a solução para o crédito rotativo”.

 

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