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06/06/2023 - Bancos reduzem prazo entre fechamento e vencimento da fatura do cartão

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Álvaro Campos | Valor Econômico
 
Em um movimento silencioso, mas que já acontece há algum tempo, os bancos têm alterado a data de fechamento das faturas de cartão de crédito. A medida reduz o intervalo entre esse corte - a véspera da conhecida “melhor data de compra” - e o dia do pagamento em si da conta. Na prática, há uma diminuição do período em que o cliente usa o cartão e só paga na fatura seguinte. 
 
Ao encurtar esse prazo, as instituições emissoras do cartão conseguem aumentar o ganho com o chamado “float”, o rendimento que obtêm ao aplicar o dinheiro no intervalo entre receber o pagamento do cliente e repassar ao estabelecimento onde foi feita a compra. Com a Selic a 13,75%, passou a ser mais interessante.
 
 
O tema veio à tona após uma influenciadora reclamar no LinkedIn que o Itaú reduziu o prazo entre o fechamento e o vencimento da sua fatura de dez para oito dias, sem uma comunicação adequada. Outros bancos, como Santander e Inter, também adotaram estratégia semelhante. Fontes do setor dizem que o Nubank fez o mesmo no ano passado e há posts em redes sociais apontando isso, mas o banco nega. “O fechamento da fatura ocorre sempre sete dias antes da data de vencimento, que é escolhida pelo cliente”, disse a fintech.
 
O Itaú confirmou que fez uma alteração no período de fechamento da fatura de seus cartões, que passou a acontecer oito dias antes do vencimento. “Trata-se de um movimento do mercado brasileiro. A alteração não impacta as datas de pagamento, que permanecem as mesmas. A mudança está em andamento e deve chegar a todos os clientes nos próximos meses”, disse o banco ao ser questionado pelo Valor. A instituição reiterou seu compromisso com a transparência e disse que tem comunicado os clientes sobre a mudança com antecedência por meio de diversos canais, como e-mail, SMS, aplicativos e com aviso em todas as faturas. “A melhor data de compra para o cliente também é atualizada com antecedência nos canais digitais, para que os clientes possam se programar.”
 
No Santander, há relatos de clientes que viram o prazo cair de dez para cinco dias. O banco não comentou o assunto, assim como o Inter. Bradesco e Banco do Brasil disseram que não alteraram datas.
 
O intervalo entre as duas datas chegou a 14 dias na década passada, mas veio caindo e nos últimos anos a prática girava em torno de 10 dias. Assim, se o cliente fizesse a compra no dia seguinte ao fechamento da fatura, tinha até 40 dias para pagar de fato.
 
Os emissores dos cartões não eram obrigados a oferecer um prazo específico, mas havia um argumento operacional para que ele fosse de dez dias. As faturas eram impressas e enviadas pelos Correios, o que exigia um tempo hábil para que chegassem aos clientes a tempo do vencimento. Com a digitalização e a ascensão das fintechs, a conta agora chega por e-mail e, assim, o intervalo pode ser menor.
 
Usando o discurso de proteção ao meio ambiente, há tempos os bancos vêm incentivando os clientes a migrar para a fatura digital, o que também gera uma economia significativa.
 
Na média, os bancos têm um “float” positivo. Por exemplo, se o cliente faz uma compra no dia 15 de junho e sua fatura vence no dia 25, o emissor do cartão só repassa ao lojista o dinheiro no dia 15 de julho. Assim, “ganha” 20 dias de fluxo. Porém, o cliente que usa os 40 dias gera um “float” negativo. Ou seja, se ele faz uma compra no dia 15 de junho, mas sua fatura só vai vencer no dia 25 de julho, o banco fez o repasse ao lojista no dia 15 de julho e ficou dez dias “financiando” o cliente.
 
Ao reduzir o intervalo entre as datas de fechamento e vencimento, o banco aumenta o “float” positivo para a maioria dos clientes, e reduz o negativo para aqueles que usam o prazo máximo. 
 
Ganhar dois ou três dias a mais pode parecer pouca coisa, mas para grandes bancos, com carteiras de centenas de bilhões de reais, e com a Selic a 13,75% ao ano, o impacto é bastante relevante. “Com as margens dos bancos cada vez mais apertadas, eles ficam procurando formas de gerar eficiência financeira, e viram que há espaço para espremer essas datas do cartão”, diz um interlocutor da indústria, que prefere não ser identificado. “Essa redução na ciclagem [data de corte] é algo que vem acontecendo ao longo do tempo. É uma forma de os bancos reduzirem as perdas que têm com esses clientes que usam o prazo máximo”, afirma outra fonte.
 
Não há regra do Banco Central sobre essas datas e, procurada, a autoridade não quis se manifestar, assim como a Febraban. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abces) afirmou apenas que não tem conhecimento sobre eventuais mudanças feitas por seus associados e que as únicas regras sobre o assunto são leis estaduais que definem o prazo de envio do boleto/fatura antes da data de vencimento.
 
Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), diz que, mesmo não havendo uma regra sobre o intervalo mínimo entre vencimento e fechamento da fatura, os bancos precisam obedecer o Código de Defesa do Consumidor. Segundo ela, alterações em mecanismos convencionados precisam ser avisadas com antecedência. “Se antes era preciso um prazo maior em função das faturas em papel, e hoje isso não é mais relevante, isso tem de ser colocado em debate. Os bancos não podem simplesmente, de maneira arbitrária, adotar políticas diferentes”, afirma.
 
Em um mercado de competição acirrada - são mais de 209 milhões de cartões ativos no país - um intervalo maior entre as datas de fechamento e vencimento pode até virar argumento na estratégia comercial dos emissores. “Pode se tornar um diferencial quem oferece o prazo mais elástico possível. Mas isso só vai ocorrer quando a Selic cair. Por enquanto essa discussão não interessa aos bancos”, afirma um executivo com conhecimento do assunto. Outro representante de um grande banco diz que chegou a estudar uma redução do prazo, mas concluiu que poderia haver reação negativa dos clientes. “Um percentual grande da nossa base já recebe a fatura digital, mas analisamos que, por mais ganhos que a gente viesse a ter, isso traria impacto para o cliente, que perde fluxo de caixa”.
 
Fontes com conhecimento do assunto dizem que o tema já esteve na mesa das autoridades, que poderiam acabar adotando algum tipo de regulação para um intervalo mínimo se o assunto começar a gerar muito ruído.

 

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