Museu do Cartão de Crédito

30/05/2023 - Análise: A "farra" do cartão de crédito no Brasil e a conta que está chegando

Voltar
Por Álvaro Campos | Valor Econômico
 
O Banco Central (BC) divulgou nesta segunda-feira dados que mostram a "farra" do cartão de crédito no Brasil nos últimos anos e já apontam para as consequências. Ou seja, a fatura que está chegando - e não está sendo paga.
 
O número de cartões de crédito ativos no Brasil passou de 100 milhões ao fim de 2019 para 209 milhões ao término do ano passado, ou seja, mais do que dobrou em três anos - com uma pandemia no caminho. Esse meio de pagamento era muito limitado no país, até que mudanças regulatórias e a chegada das fintechs mudaram a cara do mercado. No entanto, essa expansão foi tão forte que hoje o número de cartões é basicamente o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões). As informações fazem parte de um boxe do Relatório de Economia Bancária (REB), documento que só será publicado inteiramente pelo BC mais à frente.
 
A expansão no número de cartões vem dos bancos digitais, categoria que inclui nomes como Nubank, Pan, Inter, C6, entre outros. Em junho de 2019 eles tinham 8,9 milhões de cartões, número que subiu para 36,5 milhões em junho de 2022, uma expansão de 310,1%. Já os cinco maiores bancos (Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Santander e Bradesco) aumentaram em 13,1%, para 57,7 milhões, sua base de cartões. Os bancos pequenos e médios, além de financeiras a varejistras, cresceram 16,4%, a 22,7 milhões de cartões. E as cooperativas tiveram alta de 80%, a 3,6 milhões de cartões.
 
"O maior acesso a cartões de crédito, embora positivo do ponto de vista da inclusão financeira, também merece atenção por seu potencial de aumentar o nível de endividamento das famílias", diz o estudo do BC. "Além disso, há indícios de que o acesso a um maior número de cartões com emissores diferentes tende a aumentar o saldo médio em modalidades sujeitas à cobrança de juros, em que se destaca o crédito rotativo, cujas taxas de juros são elevadas", acrescenta em outro trecho.
 
O levantamento aponta que 41% das pessoas que usam cinco cartões de crédito consomem mais de 80% dos limites deles. Ou seja, já foram completamente engolfadas pela famosa "bola de neve" dos juros do rotativo. Dados da nota de crédito, também divulgada pelo BC, mostram que a inadimplência no rotativo do cartão de crédito atingiu em março o nível recorde de 48,2%. Isso signifca que metade das pessoas que entram no limite do cartão não conseguem pagar a fatura.
 
Neste mês, uma pesquisa da Serasa já havia mostrado que a maioria dos brasileiros possui vários cartões de crédito. Segundo o estudo, 24% dos entrevistados têm um cartão, 24% possuem dois cartões, 22% usam três cartões, 13% utilizam quarto cartões e 17% controlam cinco ou mais cartões. Ou seja, 52%, ou mais da metade da população, gastam em três ou mais cartões. 
 
Quando perguntados sobre os motivos para ter mais de um cartão, 35% dizem que o objetivo é conseguir mais crédito, uma vez que o limite de cada um deles não é suficiente. Para 20%, trata-se de uma questão de segurança, para ter mais opções em caso de uma emergência. E 19% alegam que se organizam melhor financeiramente dividindo as contas entre os cartões. 
 
Conforme o Valor mostrou no fim do ano passado, a deterioração no cartão de crédito é o que está liderado a piora da inadimplência em pessoa física. Muitos executivos do setor bancário vêm alertando nos últimos trimestres sobre uma queda significativa na qualidade dos ativos em cartões. Um dos críticos mais vocais é o CEO do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, que já comentou diversas vezes que houve um excesso de oferta nessa indústria, onde “em 30 minutos na internet é possível conseguir uns seis cartões diferentes”. O banco tem a maior base de cartões do país.
 
A questão da saúde financeira tem sido apontada como um tema importante para o governo, que vem há meses tentando lançar o programa de renegociação de dívida Desenrola e também discute uma alternativa para tentar reduzir os juros no cartão. Na semana passada, fontes da indústria financeira comentaram que uma das alternativas que voltaram à mesa de negociação é o possível fim do rotativo. Hoje, quem fica no rotativo por mais de 30 dias migra automaticamente para um parcelamento, conforme regra criada em 2017.
 
A extinção do rotativo significa que, se o cliente não pagar a fatura no dia do vencimento, automaticamente seria direcionado para outra linha de crédito, com prazo fixo e juros menores. Como não há os juros sobre juros, a lógica é que o usuário consegue se planejar melhor e pagar as parcelas. Mas deve ser criada alguma trava para impedir que recorra a esse mecanismo seguidamente. Para os bancos, a vantagem é que o nível de provisão exigido será menor.
 
O novo estudo do BC mostra que 84,7 milhões de clientes possuíam saldo devedor maior que zero em junho de 2022. Esse número representa um crescimento de 30,9% em relação a junho de 2019. Para quem utiliza um cartão apenas, esse saldo médio é de R$ 2,768 mil. Entre quem tem dois cartões, o saldo sobe para R$ 5,600 mil. Com três cartões, avança para R$ 8,096 mil. Com quatro cartões, fica em R$ 10,435 mil. E com cinco, em R$ 12,854 mil.
 
E onde estão essas dívidas? De novo, o grupo dos bancos digitais foi o que mais cresceu. Em 2019, eles tinham R$ 14,3 bilhões em saldo devedor, e em 2022 esse número chegou a R$ 74,1 bilhões, um salto de 418,2%. Nos grandes bancos houve aumento de 60,8%, a R$ 301,6 bilhões. Nos pequenos e médios a expansão foi de 60,3%, a R$ 56,1 bilhões. E nas cooperativas, alta de 168%, a R$ 13,4 bilhões.
 
O boxe do relatório de economia bancária ajuda a jogar luz sobre os excessos no mercado de cartões de crédito e mostra que, mesmo com os bancos pisando fortemente no freio nesse instrumento nos últimos trimestres, o pior ainda não passou. Em prazos mais longos, deixa patente a necessidade de se investir na educação financeira da população. Inclusão financeira sem educação financeira pode afundar o consumidor em dívidas, com consequências para o setor financeiro e a atividade econômica (já que a negativação afeta o poder de consumo). Isso sem falar na saúde mental da população.

 

Newsletter

Preencha os campos abaixo e receba nossas notícias:

Rua Visconde do Rio Branco, 1488 - 18º andar - Centro - Curitiba/PR

Contato
Telefone Logo

2020 Museu do Cartão - Todos os direitos reservados