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17/01/2022 - Se usar o cartão de crédito de alguém que acabou de morrer, precisa pagar?

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Marcela Lemos | Por Uol

O que aconteceria se alguém gastasse todo o limite de cartão de crédito de um parente que está morrendo? A dívida tem de ser paga pelos herdeiros ou é perdoada? Essa discussão foi levantada nas redes sociais recentemente. O que a lei diz sobre as dívidas de um morto?

Especialistas em direito ouvidos pelo UOL explicam que as dívidas de alguém que morreu devem ser pagas pela família se houver herança. Mas há exceções: dinheiro de FGTS e de previdência privada não podem ser usados, por exemplo. No caso de a pessoa já ter morrido, usar o cartão de crédito dela pode configurar crime de estelionato, mas se o uso for antes da morte, é discutível. Veja a seguir em detalhes como é a cobrança das dívidas de um morto.

Heranças e dívidas entram no espólio

O termo jurídico referente a direitos e deveres de um morto é espólio, que inclui tanto os bens —como imóveis e veículos, por exemplo—, quanto as dívidas. O dinheiro para quitar os débitos vem do patrimônio deixado para os herdeiros. Os parentes pagam a dívida se houver herança. Se não houver nenhum bem, a dívida não é paga por ninguém.

"Os herdeiros devem receber o que a gente chama de herança líquida, que é a soma dos bens, descontadas as eventuais dívidas. Se alguém deixou um patrimônio de R$ 1 milhão e deve R$ 200 mil, os herdeiros vão ficarm com R$ 800 mil", explica o advogado Luiz Kignel, do escritório PLKC Advogados.

É possível fazer dívida com o cartão de crédito de uma pessoa morta?

Segundo especialistas, não. O uso de cartões de crédito de uma pessoa após a morte pode configurar crime de estelionato, que significa obter vantagem indevida mediante fraude.

Vivianne Ferreira, advogada e professora de direito de família e sucessões na FGV Direito SP, diz que a morte impede esse uso.

"Ainda que se autorize, eventualmente e de forma contrária ao que prevê o contrato com a operadora de cartão, a utilização do cartão, essa autorização só seria possível em vida e num contexto muito limitado. Com a morte, cessa qualquer poder de representação ou autorização para agir e utilizar o cartão", afirma.

É possível usar o cartão de alguém que está morrendo e que autorizou a fazer isso?

Segundo Vivianne Ferreira, é difícil definir que houve crime, mas o uso pode ser contestado. "Esse uso autorizado é contestável. Para o banco, ele não é legítimo, pois o cartão de crédito é de uso pessoal e intransferível. Se o uso foi autorizado, a questão do crime fica difícil de configurar, mas existe um ilícito civil, de qualquer forma, pois o contrato do titular com o banco não permite o uso por terceiros."

Ela disse que, se a despesa foi feita a mando do titular do cartão, pode-se considerar que haja uma representação da vontade. "Nesse caso, fica difícil discutir a questão do estelionato. Agora, a dívida foi feita e deverá ser paga [de acordo com a lei]. Esse tipo de autorização ou procuração perde a validade com a morte. Se o filho usar o cartão depois da morte, aí a situação é mais clara de uso indevido e criminoso."

E se o valor dos bens for igual ao valor das dívidas?

Se os valores positivos e negativos do patrimônio foram exatamente iguais, não haverá herança a receber. Todo o patrimônio será utilizado para pagar os credores.

Mas e se a pessoa só deixar dívidas?

Os herdeiros continuarão sem a obrigação de pagar qualquer débito com recursos próprios. Se a pessoa que morrer não tiver nenhum bem para honrar suas dívidas, quem arcará com os prejuízos serão os credores.

"As dívidas só são transmitidas aos herdeiros até o valor dos bens deixados", declara Carlos Eduardo Guerra, professor de Direito da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).

Luiz Kignel afirma que, caso alguém morra e deixe para os herdeiros um só imóvel, e se esse imóvel for o único local que a pessoa tem para morar, ele não poderá ser usado para quitar as dívidas. Ou seja, o bem se torna impenhorável.

Contas a pagar, como cartão de crédito e limite de cheque, entram no espólio?

Todos os débitos de uma pessoa falecida vão constar no espólio e devem ser pagos com os recursos da própria pessoa —e não dos herdeiros.

Existe alguma dívida que não seja repassada aos herdeiros?

Geralmente, empréstimos consignados e financiamentos imobiliários possuem seguros atrelados a eles e, por causa disso, no momento da morte do titular do contrato, as dívidas são cobertas. "As instituições financeiras mais sérias oferecem seguros, mas nada é de graça, é um valor que é incluído no financiamento", afirma Guerra.

O FGTS de uma pessoa que morreu entra no espólio?

Em geral, não. O advogado e professor de direito da FGV-Rio (Fundação Getúlio Vargas), Daniel Dias, declara que inicialmente os valores do Fundo de Garantia não compõem a herança devido à natureza dos recursos.

"Quem pode receber o FGTS é um dependente. O fundo tem um caráter alimentar, o que torna o crédito impenhorável. A rigor, o crédito não compõe os valores para pagar dívidas. Mas, se não houver dependentes, esse dinheiro vai para o inventário”.

Para quem fica a previdência privada e o seguro de vida em caso de morte?

Daniel Dias diz que os dois benefícios não podem ser usados para pagar a dívida de alguém que morreu.

"Se eu tenho seguro de vida, o direito a receber é do beneficiário. Então, não compõe herança. É um direito de terceiros e não do falecido. A previdência privada do tipo VGB também tem uma natureza de seguro", e não entra no pagamento de dívidas.

O que fazer em caso de morte?

A primeira coisa a ser providenciada é o atestado de óbito, afirma o advogado Carlos Eduardo Guerra. "Deve ser feito por uma pessoa que conheça bem quem morreu, pois na certidão vão constar duas informações importantes: se há herdeiros e se há bens", explica.

O próximo passo é abrir um inventário. A família tem até dois meses para iniciar o processo. Caso contrário, ela terá que pagar multa de até 20% do valor do inventário.

Ele pode ser feito de maneira judicial ou extrajudicial. O inventário extrajudicial pode ser feito em cartório por herdeiros maiores de 18 anos, em comum acordo.

Segundo o advogado, é um processo mais rápido, porém mais caro. "Tudo deve ser pago rapidamente: despesas do inventário, tributos, honorários advocatícios".

O inventário judicial é um processo mais longo e permite o retardamento dos pagamentos necessários para a condução do processo.

Devido aos custos dos processos, o professor recomenda que as famílias se organizem financeiramente com antecedência. O imposto que incide sobre a herança é o ITCMD (Transmissão Causa Mortis e Doação), cuja alíquota varia de acordo com o estado. Em São Paulo, por exemplo, o ITCMD tem uma alíquota única de 4%, diferente do Rio, por exemplo, onde chega a 8%.

Como evitar problemas com heranças?

De acordo com os especialistas, algumas medidas podem ser tomadas para evitar dor de cabeça durante a partilha dos bens.

O professor Carlos Eduardo Guerra recomenda atenção no caso de união estável. Deve-se evitar o acordo verbal e dar preferência ao contrato de união estável o que já define pelo menos um beneficiário.

Outra medida que requer atenção, segundo ele, é referente aos divórcios, que devem ser oficializados pelo casal juridicamente o mais rápido possível.

"Nada informal é bom. Tá separado? Divorcia. União estável tem que ser no papel, é barato e é uma medida preventiva, principalmente em caso de óbito e pensão", afirma.

Outras medidas que podem minimizar problemas são a realização de testamento que define a divisão do patrimônio; ou ainda a doação em vida, na qual uma pessoa pode doar parte do seu patrimônio para os herdeiros, reservando para si o usufruto.

Ou seja, o doador assegura o direito de usar os bens até o momento do falecimento.

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