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14/10/2021 - Pré-pago opõe credenciadoras e bancos digitais

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Por Álvaro Campos e Talita Moreira | Valor Econômico

Credenciadoras de cartões (as donas das “maquininhas”) acusam bancos digitais de cobrar tarifas de intercâmbio indevidas em transações com cartões. A disputa, que esquentou nas últimas semanas, é o pano de fundo do movimento do Banco Central (BC) de colocar em consulta pública regulamento para impor um teto aos valores praticados em transações atreladas a contas pré-pagas, apurou o Valor.

A medida, anunciada pelo regulador na noite de sexta-feira, parecia ter abrangência limitada, já que o mercado de pré-pagos ainda tem volumes pequenos. Na realidade, porém, ela esconde mais um episódio da briga entre fintechs e incumbentes.

Nos bastidores, credenciadoras queixam-se de que fintechs que atuam com licença de instituição de pagamento e trabalham com contas pré-pagas oferecem cartões que, apesar de utilizarem a mesma plataforma dos cartões de crédito, representam operações de débito. Isso porque o valor é descontado da conta do cliente na hora e não há risco de calote. Além disso, os contratos explicitam a existência da “função débito” nos cartões.

O problema é que as fintechs não levam em conta o teto da tarifa de intercâmbio aplicável às transações de débito, como fazem os bancos tradicionais. Como a norma do BC que estabeleceu esse teto se refere apenas a quem opera conta de depósito - e não diz nada sobre contas pré-pagas -, os bancos digitais interpretam que não há ilegalidade. Porém, no entendimento das credenciadoras, a cobrança não só é indevida como impõe prejuízo a elas, já que arcam com o diferencial de tarifas.

Para algumas fontes do setor, todas as operações que passam pelas contas pré-pagas deveriam ser tratadas como débito. Isso porque, nessa modalidade de conta, não há risco de crédito.

Um executivo de uma credenciadora diz que as instituições de pagamento estavam “competindo com doping” e que a proposta do BC tende a resolver a situação. As credenciadoras agora estão fazendo contas, mas acreditam que com a redução da taxa de intercâmbio podem ficar com uma fatia maior do bolo total, que é a MDR, com impacto positivo em receita é lucro. “É uma medida um pouco tardia, pois esse era um pleito antigo do setor, mas resolve uma óbvia distorção “.

As tarifas de intercâmbio são cobradas para remunerar o emissor do cartão - em geral, bancos e fintechs. Elas são um componente da MDR, a taxa de desconto que as empresas de maquininha recolhem dos lojistas. No caso do cartão de débito, em 2018 o BC impôs ao setor um teto para o intercâmbio. A tarifa média não pode passar de 0,5% do volume transacionado e a máxima, 0,8%.

O volume total de pagamentos (TPV) com pré-pagos em 2020 foi de R$ 53 bilhões, apontam dados do BC. Segundo adquirentes, o intercâmbio médio nas operações com pré-pagos ficou entre 1,4% e 1,7%, gerando um custo de R$ 700 milhões a R$ 900 milhões, mas seria de R$ 450 milhões a R$ 650 milhões menor se respeitado o teto.

“Isso demonstra mais uma vez que havia uma assimetria no mercado financeiro, que o BC está agora tentando eliminar ao impedir essa arbitragem entre cartões de débito e pré-pago, que na prática são dois instrumentos de pagamento praticamente iguais”, diz um executivo do setor bancário, que prefere não ser identificado.

Credenciadoras ligadas à Abecs, associação de empresas do setor, levaram a queixa ao BC, apurou o Valor. O Nubank é citado como um dos bancos digitais que não estariam cobrando o intercâmbio correto, mas uma fonte próxima à fintech nega qualquer irregularidade e argumenta que o objetivo do BC ao deixar a modalidade fora do teto, como fez até agora, foi permitir que o mercado crescesse.

De qualquer forma, emissores como Nubank e PagBank (banco da PagSeguro), que cresceram fortemente suas bases de cartões nos últimos anos, tendem a ser os mais afetados pela mudança regulatória se ela for adiante.

A expectativa é que fintechs se posicionem contra a proposta do BC na consulta pública. Diferentemente de 2018, o regulador agora quer ouvir o mercado pois “o impacto da medida pode ser diferente de acordo com o porte e o nicho de atuação das instituições participantes desses arranjos, especialmente aquelas que estão em início de atividades ou em fase de ampliação de seu portfólio de serviços ofertados aos seus clientes”, diz no texto de anúncio da consulta.

Os pré-pagos ainda são pouco representativos no mercado brasileiro, mas vêm crescendo. Segundo a Abecs, no primeiro semestre eles movimentaram R$ 41,8 bilhões, com alta de 183,2% ante o mesmo período do ano passado. Enquanto isso, nos cartões de débito o volume foi de R$ 418,4 bilhões e, nos de crédito, de R$ 707,2 bilhões.

A mudança proposta agora afeta as fintechs porque são elas os maiores emissores de pré-pagos. De acordo com um relatório do Citi, o PagBank está entre os mais prejudicados. O novo teto para a tarifa no pré-pago pode reduzir as receitas anuais do grupo em até 4%.

O Goldman Sachs tem avaliação semelhante. Com base no TPV de R$ 71 bilhões do PagBank em 2020 e considerando que cerca de um terço disso foi de cartões pré-pagos, os analistas calculam que a instituição tem participação de mercado de quase 50%. “Nossos cálculos preliminares indicam uma tarifa de 1,08% do PagBank em pré-pagos em 2022 e uma redução de 0,58 ponto, para o novo limite de 0,5%, levaria a uma queda de 5% nas receitas do próximo ano e um impacto de 22% no lucro antes de impostos”, afirmam.

O BTG Pactual lembra que, na teleconferência do quarto trimestre de 2020, o Pagbank exibiu gráfico destacando que pré-pagos representavam bem acima de 50% das receitas - embora o banco não abra o dado. “Assumindo que 60% das receitas do PagBank são taxas de intercâmbio de cartão pré-pago, esperaríamos um impacto da ordem de R$ 300 milhões”.

O J.P. Morgan diz que a medida do BC está em linha com a postura de “reduzir a arbitragem regulatória” e afirma que com base no TPV de débito informado por Itaú e Banco do Brasil, por exemplo, cada um desses bancos perde quase R$ 2 bilhões por ano ao cumprir o limite de débito, em vez de usar o pré-pago. Se a medida do BC for adiante, os analistas da casa avaliam que a maioria dos grandes bancos teria confiança para “implementar a mesma estratégia [das fintechs]”.

O problema é que isso elevaria as taxas. Assim, o J.P. Morgan diz que o BC poderia criar uma regra para estimular players menores.

Procurado, o BC afirmou, em nota, que “é preciso destacar que o cartão de débito está associado a contas de depósito; por sua vez, cartões pré-pagos estão associados a contas de pagamento pré-pagas. Além disso, não há, na regulação vigente, limite para a tarifa de intercâmbio em cartões pré-pagos”.

A PagSeguro não se manifestou. O Nubank disse que acompanha e participa dos debates para aperfeiçoamento da regulação dos serviços financeiros no país e se pauta em favor de medidas que promovam o desenvolvimento do mercado, em especial que beneficiem o consumidor final. A Abecs não comentou.

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