Museu do Cartão de Crédito

25/02/2021 - Cielo hoje é empresa de tecnologia, diz Caffarelli

Voltar
Por Valor Econômico | Talita Moreira e Alessandra Bellotto
 
 
 
 
Quando assumiu a presidência da Cielo, em novembro de 2018, Paulo Rogério Caffarelli afirmou que estava em “guerra” para colocar a credenciadora de cartões no caminho da transformação digital. Era um passo doloroso, mas necessário para uma empresa que já controlou mais de 50% do mercado, mas estava acuada por novos competidores e tecnologias.
 
Dois anos depois, começam a aparecer sinais concretos da reestruturação prometida. No quarto trimestre de 2020, o lucro líquido cresceu 35%, para R$ 298 milhões. A base de clientes no varejo aumentou e a antecipação de recebíveis, também. O market share está em torno de 37%.
 
Algumas batalhas foram vencidas, mas Caffarelli ainda precisa convencer os investidores de que a Cielo vai se manter competitiva e rentável. As ações acumulam queda de 40% nos últimos 12 meses e a empresa é negociada a múltiplos muito inferiores aos dos rivais.
 
Para o executivo, a mudança de percepção é questão de tempo. Mas ele reconhece que é preciso avançar mais na experiência do cliente e digitalização, e aposta num novo posicionamento. “A Cielo hoje já é uma empresa de tecnologia. Não é uma empresa de adquirência”, diz Caffarelli ao Valor.
 
Com o pulso do varejo, o presidente da Cielo diz que o primeiro trimestre começou difícil na economia, mas acredita que 2021 será “um ano de retomada”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
 
Valor: Dois anos atrás, o senhor disse que estava ‘no meio de uma guerra’ para transformar a empresa. Quando vai acabar essa guerra?
 
Paulo Caffarelli: Quando cheguei, a Cielo tinha sido quase monopólio durante 20 de seus 25 anos. Mesmo depois do fim da exclusividade [na adquirência], a concorrência não se mostrou tão acirrada. A partir de 2015, aí sim, tem dois movimentos. O primeiro foi o da PagSeguro entrando num nicho que as outras não trabalhavam, o do pequeno empreendedor. E, com a transformação digital, vieram as startups. Passamos a ter 20 adquirentes e mais de 200 subadquirentes. A concorrência se deu na base da redução do preço, que caiu mais de 60%. Em boa parte desse período, a Cielo continuou insistindo em margem em vez de market share. Em dois anos, tinha 50% no varejo e foi para 30%. Para estar nessa guerra, ou você vai com as mesmas armas ou não tem condições de participar.
 
Valor: O que mudou na companhia desde então?
 
Caffarelli: A Cielo deixou de ser incumbente e passou a disputar espaço a espaço. A gente estava com uma equação, num momento de redução de taxas, que não combina: 70% [do volume capturado] em grandes contas e 30% em varejo. Tem que ser no mínimo 50% a 50% porque, em grandes contas, você ganha volume, mas não tem margem. No varejo, não tem volume grande por cliente, mas tem margem. A intenção era sair desses 70-30. Agora, estamos com 37,3% de varejo. Devemos chegar ao fim do ano em 50-50.
 
Valor: Como vão fazer isso?
 
Caffarelli: Grandes contas a gente vem renegociando, com bastante sucesso em manutenção de clientes. Não quero perder grandes contas. Quero crescer no varejo para reequilibrar. Em janeiro de 2019, contratamos mil hunters para atuar na força de vendas própria da Cielo. Até então, a gente ficava muito ligado aos nossos controladores, Banco do Brasil e Bradesco, e a uma parceria com a Caixa. Isso é ótimo. Se somar isso, tem quase 15 mil agências, mais de 100 mil pessoas envolvidas na captura de cliente. Mas a gente ficava muito dependente e era quase um comodismo nosso. Deu tão certo que começamos 2021 com mais 500 contratados. Nossa força própria já responde por 52% das ativações e a capacidade de produção dela dobrou em 2020. Também temos 1,7 mil correspondentes. Alugam maquininhas, vendem produtos, soluções digitais. Não pagamos nada fixo, eles recebem pelo volume que entra na empresa, não é pelo credenciamento. Devemos terminar 2021 com 4 mil correspondentes.
 
Valor: A Cielo fazia pouca antecipação de recebíveis, um negócio que se mostrou importante para concorrentes. O que está fazendo para crescer nessa área?
 
Caffarelli: Em 2018, a gente tinha penetração de 16% em antecipação. No quarto trimestre de 2019, tinha 26% e fechou agora em 32,7%. Nos atuais credenciamentos, de cada dez, seis já trago com antecipação. Agora, tenho um legado dentro de casa para trabalhar. Por sermos oriundos de duas casas que estão entre os três maiores bancos de varejo do país, não entrávamos muito nesse ramo. Adquirência por si só não tem mais competitividade. Tem que ter um braço de banking e um lado ‘tech’. Cada vez mais, trabalhar num ecossistema de pagamentos. Nosso produto é commoditizado.
 
Valor: Como preservar o cliente se é um produto que não fideliza e o mercado é muito competitivo?
 
Caffarelli: Preço, tecnologia, novos produtos, serviços e disponibilidade de sistemas são importantes, e a gente é campeão nisso. Marketing é importante. Mas o mais importante chama-se experiência do cliente. A Cielo tem por obrigação propiciar uma experiência no mínimo igual à dos concorrentes. Tem que ser até melhor. É o nome do jogo e a gente tem batalhado nisso. Crescemos, em NPS [métrica de lealdade do cliente], 650%. Mas não estamos satisfeitos ainda.
 
Valor: O que precisa ser feito?
 
Caffarelli: Já estamos fazendo. Tem um foco na logística do atendimento, entrega de máquinas, tempo de resolução de solicitações, manutenção. Todo o processo operacional, conciliação. Temos um processo ligado à tecnologia. A Cielo tinha dez centrais de atendimento. Hoje, são três e há competição entre elas. Se a nota fica acima do esperado, recebem mais market share e uma compensação. Outra coisa que fizemos foi vender a Orizon, por R$ 128 milhões. Neste ano, devemos ter outras vendas, vamos tirar nossos distraidores.
 
Valor: Que ativos estão à venda?
 
Caffarelli: Prefiro não falar por questão de estratégia e preço, mas vamos anunciar algumas vendas que vão fazer sentido.
 
Valor: O que é o “core business”?
 
Caffarelli: O core é a Cielo mãe. E a Cateno é um core específico naquilo que faz. O grande movimento é reforçar Cielo e Cateno. O lucro do quarto trimestre foi 35% maior, apesar de o volume ter caído no ano. Isso vem de uma melhoria de eficiência que envolve ter mais sucesso nas vendas, mas também readequar a Cielo à capacidade de gerar resultado. Se no passado gerava um resultado de R$ 4 bilhões, ela tinha um tamanho. Se hoje gera R$ 1,5 bilhão, tem que ter outro.
 
Valor: Onde há espaço para reduzir mais despesas?
 
Caffarelli: Essa redução se dá por um OBZ [orçamento base zero] pesado, reduzindo custos com pessoas, mas não na força de vendas. E também renegociando, extinguindo contratos de prestação de serviços. Reduzimos os custos gerenciáveis em 10% no ano passado. Neste ano, teremos mais cortes significativos. Desde janeiro de 2019, todos os colaboradores têm 30% do rendimento variável atrelado à satisfação dos clientes.
 
Valor: A que atribui os sinais de recuperação no balanço do 4º trimestre e o que falta fazer?
 
Caffarelli: Na pandemia, a Cielo resgatou muito de seu protagonismo. Tínhamos produtos como e-commerce, Super Link, NFC [pagamentos sem contato] e QR Code há muito tempo, mas por questão cultural nunca foram muito usados. Na hora em que havia quase 90% dos bares e restaurantes fechados, tivemos incremento de 600% de clientes utilizando a tecnologia do e-commerce. Hoje, e-commerce, NFC e QR Code já respondem por 17% das transações.
 
Valor: Este ano começou com piora da pandemia e vacinação em ritmo lento. O que espera de 2021? Vê algum impacto para a Cielo?
 
Caffarelli: Não observamos forte impacto no volume capturado, mas o primeiro trimestre impõe desafios para a economia, com o fim do auxílio emergencial e o recrudescimento da pandemia. Devemos ter queda no PIB entre 0,4% e 0,8% no trimestre. A expectativa é que a recuperação comece no segundo trimestre, com mais uma rodada de estímulos e reflexos da vacinação. Há boas perspectivas para que o PIB feche o ano com crescimento superior a 3%. O mundo está com considerável liquidez, o que pode incentivar investimentos externos no mercado acionário. A inflação deve ficar no centro da meta e a Selic, entre 3,5% e 3,75%. Será um ano de retomada.
 
Valor: Apesar da melhora no resultado, as ações da Cielo acumulam queda de 40% em 12 meses. O que falta para recuperar a percepção de valor da companhia?
 
Caffarelli: O valor da Cielo definitivamente não está no patamar adequado para a capacidade da empresa de estar nesse jogo. O trabalho que estamos fazendo e a perenização dele são o que vai nos habilitar a uma retomada de valor das ações. É questão de tempo e a gente vem trabalhando muito para que aconteça. Vamos fazer e depois entregar. Queremos market share, mas não a qualquer custo. Isso é importante porque, em alguns momentos, a gente vê o pessoal rasgando preço.
 
Valor: A Cielo está com cerca de 31% de market share no varejo. Vai estabilizar nesse patamar?
 
Caffarelli: Gostaríamos de recuperar. Temos uma participação [estimada] de 31% no varejo e, em grandes contas, de 60%. Não é fácil, mas vamos batalhar bastante.
 
Valor: Como vê a Cielo daqui a alguns anos, num mercado de pagamentos em transformação? Qual a estratégia para chegar lá?
 
Caffarelli: Tem que ter um equilíbrio entre o ‘business as usual’ e a transformação digital. Se fizer tudo isso e não fizer a transformação digital, você morre ali na frente. As prioridades são continuar crescendo no varejo, maior penetração em produtos de prazo, aumentar a eficiência, melhorar a performance comercial, vender ativos e focar muito na transformação digital. Vai ter uma adequação de todo o ecossistema de pagamentos e uma concentração nesse mercado no futuro. Outros países já mostraram isso. Irá sobreviver quem souber se adequar. A Cielo hoje é uma empresa de tecnologia que tem adquirência. Continuo acreditando muito na adquirência, mas numa adquirência onde eu possa trabalhar toda a cadeia de valor de meios de pagamentos.
 
Valor: O BC ainda não liberou o serviço de pagamentos via WhatsApp. O que está faltando?
 
Caffarelli: Passamos por uma seleção rigorosa com quase todos os adquirentes e o WhatsApp escolheu a Cielo. Desenvolvemos com eles, gastamos R$ 40 milhões e o Banco Central chamou para entender melhor. Tudo o que foi pedido às bandeiras e mesmo para o WhatsApp e Facebook foi entregue e estamos aguardando uma posição do BC. Temos uma perspectiva de que saia neste ano.
 
Valor: Como a Cielo se prepara para novidades como o Pix?
 
Caffarelli: O Banco Central é tido como um dos melhores reguladores do mundo, e a bandeira da transformação digital e da modernização vai trazer um fruto positivo para o mercado, seja sob a ótica da melhoria do preço, da competitividade ou da inclusão financeira. O Pix, o balcão de recebíveis e o open banking são extremamente bem-vindos. Na Índia, depois do UPI [sistema de pagamentos instantâneos] houve incremento de transações, não um rouba-montes. No Brasil, vai acontecer isso.
 
Valor: O presidente do BB descartou a possibilidade de vender a Cielo, mas disse que conversa com o Bradesco para melhorar a experiência do cliente. O que isso quer dizer?
 
Caffarelli: A gente tem mostrado ao presidente André [Brandão] e ao Bradesco o quanto já evoluímos na experiência do cliente. Também não estamos satisfeitos com o resultado. Queremos mais. Mas já aumentamos 650%. A competição hoje é muito mais acirrada. Vai se dar bem quem atender melhor o cliente. Isso é core business para o BB e para o Bradesco.
 
Valor: Investidores cogitam que o capital da Cielo será fechado. Há estudos sobre isso?
 
Caffarelli: Desconhecemos estudos sobre isso e nossos controladores já comunicaram à CVM que não há decisão nessa direção. Temos contado com o apoio irrestrito dos controladores às medidas que estão sendo implementadas.
 

Newsletter

Preencha os campos abaixo e receba nossas notícias:

Rua Visconde do Rio Branco, 1488 - 18º andar - Centro - Curitiba/PR

Contato
Telefone Logo

2020 Museu do Cartão - Todos os direitos reservados