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16/07/2020 - Como a Teoria dos Jogos explica o declínio da Cielo

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Por Valor Econômico | André Rocha

 

Acompanho a bolsa desde 1996. Recorro à memória para citar um caso de destruição de valor semelhante ao da credenciadora Cielo (CIEL3). A companhia chegou a valer R$ 86,4 bilhões (cotação de R$ 31,90) em julho de 2015. Hoje está avaliada a R$ 13,5 bilhões (R$ 4,98), queda de 84%.

Embora impressionante, essa derrocada do valor de mercado apenas acompanhou a queda do lucro. Obedeceu regiamente ao manual da análise fundamentalista. Em 2015, o lucro da Cielo foi de R$ 3,7 bilhões. Em março de 2020, o lucro dos últimos 12 meses caiu a R$ 1,2 bilhão, redução de 67%.

Os mais jovens podem citar a petroleira OGX como um exemplo parecido com o de Cielo. A comparação não é boa. A ação foi famosa, mas a empresa nunca foi dominante na sua área de atuação. Cielo, ao contrário, junto com Redecard, operava quase em um oligopólio.

O caso mais similar, que me lembro, seria Embratel, a empresa de ligações de longa distância do Sistema Telebrás. A empresa passou a ser aberta com a privatização do setor em 1998. Mas foi definhando até deixar a bolsa na segunda metade dos anos 2000.

O surgimento da competição vinda das operadoras regionais como Telemar, Telesp e Brasil Telecom e, posteriormente, o surgimento de novos players como o Skype, foram retirando fatias importantes de participação da Embratel. O monopólio foi atacado de forma mortal.

A microeconomia classifica os mercados em três tipos: competitivo, oligopolista e monopolista. A feira livre é o melhor exemplo do primeiro tipo. Dada a multiplicidade de vendedores, a formação de preço é dada pela interação entre procura e oferta. Nenhum participante tem força para impor preço. O preço de equilíbrio obedece com rigor ao balanço entre demanda e oferta.

Cielo até recentemente atuava em um mercado oligopolista. Dada a existência de poucos participantes, a empresa conseguia impor preço. Ronaldo Fiani, no livro “Teoria dos Jogos”, dá um bom exemplo para analisar a evolução dos negócios da Cielo. No jogo, citado por Fiani, existem dois players: uma empresa que quer entrar no mercado (desafiante) e a empresa dominante. O jogo é sequencial, ou seja, a companhia dominante tomará sua decisão somente após saber como a desafiante agiu.

A desafiante possui duas opções: entrar ou não no mercado. Caso resolva não desafiar a dominante, o lucro da última permanecerá o mesmo R$ 10 milhões. A desafiante, por óbvio, não terá lucro algum. Mas se a desafiante entrar no mercado, a dominante terá duas alternativas: (i) “lutar” via guerra de preços e aumento de despesas com publicidade e comercialização de produtos; ou (ii) “acomodar”, cedendo espaço para a entrada da desafiante com o objetivo de evitar a queda abrupta de sua margem.

Na primeira alternativa, “luta”, o lucro da dominante cai de R$ 10 milhões para R$ 2 milhões e a desafiante inicia com prejuízo de R$ 1 milhão. Já na estratégia “acomodar”, o lucro da dominante será de R$ 7 milhões, enquanto a da desafiante, R$ 3 milhões. Assim, o equilíbrio tende a ser a estratégia “acomodar”. A dominante terá lucro menor do que o do início do processo (R$ 7 versus R$ 10), mas bem melhor se adotasse a estratégia de luta (R$ 2). Já a desafiante também estará melhor do que se lutasse pelo mercado (R$ 3 versus prejuízo de R$ 1). Esse ponto, no qual não interessa a nenhum “player” se mover mais, chama-se equilíbrio de Nash.

E o que tem a Cielo com isso? Com o avanço da tecnologia, a barreira a entrada se reduziu. Segundo o Banco Central existem cerca de 20 novas credenciadoras como, por exemplo, Stone e PagSeguro (desafiantes) em um mercado que antes era dominado por apenas duas: Redecard e Cielo (dominantes).

O mercado de credenciamento antes oligopolista se transformou quase em competitivo. Com isso, a entrada das desafiantes de forma agressiva não deixou a Cielo adotar a estratégia da “acomodação”, que lhe garantiria uma queda moderada do resultado. Somente lhe restou a pior alternativa: a tática da luta. O preço passou a ser decidido pela interação entre demanda e oferta. Os players perderam poder de impor preço.

Vejo dois cenários daqui para frente. Se o mercado de credenciamento realmente se transformar em um mercado competitivo, com ainda mais players, o lucro seguirá caindo. Se os novos desafiantes não tiverem fôlego para permanecer “lutando”, o lucro da Cielo pode se estabilizar com um cenário competitivo menos acirrado. Lembre-se que no exemplo a desafiante tem prejuízo ao atacar a dominante. A entrante também não tem vida fácil. Todavia uma coisa é certa (embora certo; só a morte), a Cielo não retornará mais ao patamar de 2015. Embratel já nos ensinou a lição.

André Rocha é mestre em economia pela FGV/EPGE, advogado pela Gama Filho e analista certificado pela Apimec. Possui atualmente um blog no site Valor Investe.

 

 

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